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Apoio aos artistas: uma linha de emergência de ficção a tentar forçar a realidade

Depois do manifesto Unidos pelo presente e futuro da Cultura em Portugal, a Acção Cooperativista lança agora uma nova iniciativa online a reivindicar atenção urgente ao sector.

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Manifestação dos intermitentes da cultura, em Lisboa, no dia 4 de Junho Rui Gaudêncio

A iniciativa que o grupo Acção Cooperativista lança esta segunda-feira na internet poderia ter um preâmbulo como aqueles que às vezes surgem nos filmes: “Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”. Na verdade, a abertura de uma intitulada “Linha de Apoio de Emergência ao Sector das Artes”, no site da Direcção-Geral da Artes (DGArtes) relativo às candidaturas ao programa de apoios a projectos de Criação e Edição, não é mais do que um exercício de ficção, um novo gesto de denúncia do quadro de emergência em que actualmente vivem os profissionais das artes e da cultura. Um asterisco ligado ao título desta acção de infiltração no site da DGArtes avisa, de resto, que a “candidatura” a subscrever diz respeito a uma “bolsa ficcional de protecção e subsistência de profissionais do sector da cultura e das artes que tiveram a sua vida e o seu trabalho afectados pelo impacto da pandemia” da covid-19.

Aos interessados, pede-se que, até 25 de Junho, sempre a título individual, indiquem o nome, idade, morada, email, profissão e motivo da candidatura, acrescentando que “o Ministério da Cultura [MC], no exercício do exemplar cumprimento do seu papel de representante máximo do sector da cultura e das artes; no seu persistente, sincero e empenhado diálogo com o terreno; na sua postura digna de humildade e na assunção da responsabilidade dos seus actos, reconheceu o erro da grave insuficiência e desadequação…”. Mas, no final, vem a ressalva: “Lamentamos, mas este anúncio de abertura da Linha de Apoio de Emergência é ainda, tristemente, ficção, à semelhança do que tem sido pronunciado pelo MC, fértil numa narrativa pública sustentada em ficções”.

Unidos pelo futuro da cultura

Esta é uma nova iniciativa do colectivo informal Acção Cooperativista, que reúne várias associações do sector e que, no final de Abril, lançou o manifesto Unidos pelo presente e futuro da Cultura em Portugal e desde então se tem associado a outras manifestações a reclamar a atenção do MC e do Governo, algo que consideram não ter ainda existido.

“Tem havido bastante pensamento, bastante discurso, até na comunicação social com artigos interessantes sobre o subfinanciamento da cultura e as questões laborais da profissão, mas não houve ainda respostas eficientes da parte da tutela”, diz ao PÚBLICO Andresa Soares, a enquadrar e justificar a presente acção. A bailarina e coreógrafa, artista “independente e intermitente” como tantos outros de diferentes áreas, realça a importância de esta “acção simbólica” ser lançada na página da DGArtes, que recentemente abriu o concurso para o programa de apoio a projectos. E critica o MC por, apesar de vários anúncios e medidas avulsas, não ter ainda aberto “uma linha de apoio de emergência real, com um funcionamento que de facto proteja os profissionais do sector, que seja abrangente, urgente, transversal”.

“Há sempre uma resposta, mas nós pedimos alhos e dão-nos bugalhos”, diz Andresa Soares, lamentando a deficiente “capacidade de escuta” perante aquelas que são “as necessidades mais urgentes para enfrentar a situação”. Recorda a primeira linha de apoio de emergência anunciada por Graça Fonseca, ainda em Março, e os concursos agora lançados pela DGArtes, mas realça o facto de eles apresentarem sempre uma dimensão “concorrencial”, ao colocarem os profissionais do sector a competir uns com os outros. “A situação calamitosa” que o sector está a viver exige “um apoio directo, a fundo perdido, não concorrencial e sem contrapartida de criação artística ou outra”, reivindica a Acção Cooperativista no anúncio da “nova linha de apoio”.

Corrida contra o tempo

O Governo anunciou, no início de Junho, no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), a criação de uma linha de apoio social aos artistas no valor de 34,3 milhões de euros, que se estima venha beneficiar um universo potencial de 18 mil profissionais intermitentes, mas que surge inscrita na dotação previsional do Ministério das Finanças. Já no Orçamento Suplementar aprovado na semana passada em Conselho de Ministros, o reforço das verbas do MC – explicou o gabinete de Graça Fonseca ao PÚBLICO – acontece por via do Fundo de Fomento Cultural, com uma dotação “de 3,7 milhões de euros” destinados a financiar duas das medidas previstas no PEES: “A linha de apoio a equipamentos culturais independentes que tiveram queda acentuada de receitas; e a linha de apoio à adaptação dos equipamentos culturais para acomodarem as normas de segurança determinadas pela Direcção-Geral de Saúde”.

Paralelamente, Graça Fonseca prometeu “resolver de uma vez por todas”, até ao final do ano, o mapeamento do sector e criar o estatuto profissional dos trabalhadores da Cultura. Mas Andresa Soares alerta para que a urgência em que estes vivem não tolera mais espera. “Já passaram mais de três meses e ainda não houve uma acção que proteja de uma forma efectiva os profissionais de um sector que já vivem uma situação precária”, nota.

Por outro lado, a coreógrafa cooperativista diz que “a ministra da Cultura tem vindo a criar uma narrativa relativamente a uma suposta retoma do sector, como se ele pudesse ter reaberto as portas no dia 1 de Junho, e agora está tudo bem”. “É a ficção de uma normalidade que não existe, e que não irá existir pelo menos durante um ano, certamente”, prevê. Daí também esta acção com o lançamento de uma “Linha de Apoio de Emergência” ficcional, que inclui igualmente uma petição, aberta tanto aos profissionais das artes como aos seus familiares, aos amigos e ao público em geral, em busca de uma solidariedade efectiva para com a situação precária que os trabalhadores das artes estão a viver. Com Luís Miguel Queirós.

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