Programador cultural: imagens e miragens de uma profissão
A maioria dos cidadãos em Portugal não sabe o que faz um programador cultural. E o contexto actual tem agravado uma certa “diabolização” destes agentes, fazendo tábua rasa do trabalho responsável, regular, planeado, consistente e ético de muitos profissionais que encaram a Cultura com um sentido superlativo de missão.
Mediação é a ideia-chave que poderia sintetizar o ofício-missão de programador cultural. Essa função de intermediação e facilitação cruza as esferas cultural, social, estético-criativa, comunicacional, económica e política, e opera-se a dois níveis: como passaporte entre os campos da produção artística e da recepção cultural (os públicos); e como influenciador (pela argumentação-persuasão) entre a comunidade artística e o meio político/o poder. Em ambas as facetas, o programador assume-se como um especialista com acesso a informação privilegiada (no tempo certo e de forma actualizada), quer seja pela panóplia de saberes específicos que incorpora (teóricos e práticos), quer pela familiaridade com o universo artístico e o estado e a evolução do mercado, quer pela teia (in)formal de cumplicidades e parcerias/redes ("network") que desenvolve, quer ainda pela criação de discursos autorais. Como agente da produção do “regime de verdade” da instituição/projecto em que trabalha, o programador também contribui para a definição e para a modelação dos valores da sociedade em que se insere (Michel Foucault), sobressaindo uma vocação crescentemente relacional das suas funções e do impacto nos ecossistemas sociais, derivada da amplitude da sua actuação e dos desafiantes campos em que se move.
Qualidade, eclectismo e contemporaneidade da oferta são três princípios considerados basilares na urdidura de uma programação cultural enquanto objecto temporal e perceptivo. Para tal, os seus ideólogos-artífices têm de conjugar diversas dimensões e critérios num exigente e dialéctico jogo de equilíbrios: as políticas culturais que, numa perspectiva mais macro, enquadram a sua acção, a qual deve estar inserida e alinhada estrategicamente com as mesmas; as identidades, missões e objectivos específicos das estruturas e projectos culturais que integram; e as suas mundividências e sensibilidades individuais.
No fundo, o desiderato maior é que a programação evidencie uma lógica interna própria, adopte uma escuta activa e seja comprometida com o território e a comunidade, permita articulações fortes e a construção de possibilidades de interpretação e conhecimento por parte do seus destinatários, contribua para o fortalecimento (e reinvenção) de uma identidade, se revele implicada com o seu tempo sem descurar a memória, atinja patamares estimulantes de relevância e qualidade, fomente a criação de novos públicos e a consolidação dos já habituais (incrementando ainda transferências de franjas de público, mormente de esferas mais massificadas para “lugares” mais segmentados) – emane harmonia, ritmo, respiração. Em suma: toda a arquitectura inerente a uma programação cultural considerada de referência, hoje em dia, terá necessariamente de assentar em fundamentos sólidos mas também num certo grau de flexibilidade e variabilidade controladas, de modo a não isolar, disfuncionalizar ou “secar à volta” o projecto e, ao mesmo tempo, a preservar continuamente a coerência do conjunto. Recorde-se ainda que o tempo é um grande escultor (Marguerite Yourcenar) nesta profissão e que os resultados de uma programação só surgem – fruto de criatividade, experiência acumulada e resiliência – ao fim de um período médio de cinco/seis anos, após testes iniciais, ajustes e correcções nas políticas, e consequente criação de fluxos constantes de público.
O pressuposto-base da nossa reflexão é simples mas as implicações revelam-se variadas e complexas: a maioria dos cidadãos em Portugal não sabe o que faz um programador cultural. Isso deve-se, antes de mais e de modo mais lato, ao gradual alargamento e complexificação do sistema cultural e, nessa linha, à existência, hoje, de um panorama nacional marcado pela heterogeneidade e pelas assimetrias, identificando-se múltiplas tendências, modelos e práticas quer ao nível organizacional das estruturas e projectos, quer da matriz estético-ideológica (generalista, segmentada, especializada ou híbrida) das respectivas propostas culturais, quer ainda da própria proveniência (externa ao universo cultural e artístico ou não) dos profissionais responsáveis pela área da programação.
Para isso contribui, em larga medida, o facto de – e atendendo desde logo à realidade autárquica – muitos municípios (exceptua-se um núcleo que, actualmente, não deve ser superior a 25 a 30 casos num universo de 308 concelhos) não apresentarem ainda uma estratégia e intervenção culturais suficientemente estruturadas/fundamentadas, comprometidas, sistematizadas e consistentes que, entre outros requisitos essenciais, integrem a função do programador, do director artístico ou mesmo do gestor cultural nas suas organizações. Soma-se a isso a ausência de uma regulamentação legal dos quadros da administração pública ao nível da integração de uma plêiade de novas profissões ligadas ao sector das artes do espectáculo e do audiovisual (que deve rondar cerca de 50 categorias-funções, entre artísticas, técnico-artísticas e mediadoras), entre elas a de programador. Por outro lado, a inexistência em Portugal de uma formação específica ou qualificação académica (licenciatura) ao nível da área de programação – não obstante haver pós-graduações e mestrados em gestão cultural – tem duas consequências imediatas: contribui, de alguma forma, para uma percepção social mais fragilizada e menos validada desta função quando cotejada com outras carreiras profissionais; e, indirectamente, dá espaço junto da opinião pública à ideia superficial e preocupante de que se tratará de um ofício que não exige requisitos de maior monta e que pode ser desempenhado por “qualquer” indivíduo com uma formação escolar média-superior.
Esta “invisibilidade” é ainda incrementada pelo facto de esse papel programático ser, em muitos casos e em última análise, desempenhado por um técnico “generalista”, uma chefia intermédia ou pela esfera política ao nível das assessorias ao executivo, da vereação ou da presidência, não raras vezes de modo instrumentalista em função de ciclos eleitorais e com um enfoque primacial na dimensão da distracção e do entretenimento – que, sendo também legítima, quando se afigura dominante não contribui para o entendimento, o conhecimento e o crescimento dos seus públicos. Verificam-se também outras situações em que, havendo programador, este tem, na realidade, um grau de autonomia minimalizado, um conjunto diminuto de recursos orçamentais, humanos e logísticos alocados, e uma margem de acção e de influência muito limitada na definição da oferta cultural apresentada pela autarquia, aos quais se sobrepõem um forte crivo e interferência políticos. Sobre este ponto central e sem dúvida sensível, considero que se compete à área política definir e acompanhar de perto a implementação da estratégia global de acção do município, incluindo o domínio sociocultural, não caberá à mesma estudar, seleccionar e desenhar em rigor os conteúdos específicos de programação artística dos espaços e de outros contextos de fruição cultural, não obstante, claro, o diálogo e a concertação internos permanentes que é necessário e vital manter e harmonizar entre as partes.
Por último, é notória a ausência de um lugar afirmativo de fala colectiva dos agentes de inscrição programática no espaço público, nos media, na esfera social, marcando posições sobre o sector e exercitando uma útil e necessária pedagogia informal sobre a natureza, os objectivos e o tipo de intervenção da sua função. Urge ainda o surgimento de uma organização profissional, de cariz formal, claramente representativa, em termos qualitativos, numéricos e geográficos, dos programadores a nível nacional, a qual defenda, valorize e dignifique, pragmática e simbolicamente, esta função-missão junto do poder, da comunidade artística e da sociedade em geral. E aqui refiro-me não só aos profissionais inseridos na administração local como a outros programadores culturais que desenvolvem o seu trabalho em contextos específicos e heterodoxos como festivais, projectos educativos e de mediação artística, redes/plataformas, espaços de residência, centros de experimentação, contextos não convencionais, associações culturais, cooperativas, etc., que não se enquadram necessariamente num paradigma-lógica de teatro ou cine-teatro municipal nem apenas no campo das artes performativas.
Todos estes factores têm contribuído também – especialmente em fases de maior recessão económica e hiper-sensibilidade social como a que agora atravessamos – para a assunção de perigosos discursos populistas, sectários e demagógicos, provindos de quadrantes diversos, em torno do papel do programador. Estas práticas evidenciam desconhecimento, preconceito e/ou, acima de tudo a meu ver, uma clara superficialidade na análise (que não se faz) das múltiplas (e por vezes mais insondáveis) variáveis que influem directa e/ou mais silenciosamente no trabalho de programação cultural, acabando por transmitir à opinião pública menos informada uma visão redutora e deturpada da realidade – de que foi exemplo bem ilustrativo, pela negativa, o programa Prós e Contras sobre Cultura transmitido pela RTP a 1 de Junho passado.
Neste âmbito, as alusões a uma pretensa intervenção autoritária e limitadora dos programadores conduzem-nos ao debate em torno das relações entre cultura e poder, entre arte e política. A programação é, indiscutivelmente, uma metáfora de poder, não há como negá-lo. Assim, a autonomia pragmática ao nível da selecção-escolha, delegada pela cúpula administrativa da entidade (autárquica ou outra) em que o programador se integra, é o resultado da transferência limitada e provisória de um capital que pertence integralmente à instituição. O programador assume também um poder, igualmente simbólico, de “fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo” (Pierre Bourdieu), funcionando, através das suas esferas de nomeação, como elemento legitimador de um valor cultural e económico de artistas e obras, e até como peça-chave, junto com a crítica de arte, no processo de construção e delimitação de cânones, bem como no seu útil questionamento a partir de dentro. Além disso, pelo facto de ser “detentor” de condições de produção de algum modo privilegiadas, o programador potencia e amplia as possibilidades de apresentação e circulação públicas das propostas artísticas independentes, alargando a base de apoio aos seus criadores através das co-produções e influindo, inclusive, na sua própria dimensão autoral no caso da realização de encomendas, o que favorece e estimula o surgimento de novas obras e leituras.
As observações críticas que vêm a lume acerca da legitimidade do programador e das suas opções estéticas estão relacionados, em regra, com duas dimensões: o impacto da sua acção, “medido” na maioria das vezes pela (maior ou menor) adesão de públicos à oferta cultural apresentada; e a relação daquele com o meio artístico ao nível do processo de triagem e do balanço final entre propostas seleccionadas e excluídas das grelhas programáticas. Ambos os tópicos estão intimamente ligados ao perfil (mais convencional ou mais inovador) e à proveniência (já ligado ao meio cultural/artístico ou exterior ao mesmo) do programador, entre outros factores.
Neste particular existem vários equívocos que tocam na tão discutida questão do serviço público quando aplicado à programação cultural. O erro mais frequente consiste na equação entre o dever de serviço público e a estatística de espectadores/utilizadores alcançados. Persiste ainda nos dias que correm uma tendência muito generalizada para, no seio das instituições públicas e junto da classe política, contabilizar o sucesso dos seus investimentos na Cultura em termos de número de utentes. Na verdade, a qualidade e a diversidade de propostas artísticas que, para os programadores, devem caracterizar um serviço público e a vontade (e, no fundo, pressão tácita) de atingir números apelativos de público afiguram-se um jogo de difícil e desafiante conjugação em não poucos casos. Uma oferta cultural pode ser intocável do ponto de vista artístico e depois isso não se traduzir na adesão de público, o que, não sendo de todo grave, não deverá deixar de desencadear uma necessária reflexão interna em termos de estratégia (aqui também com especial ênfase nas vertentes da mediação e comunicação, fulcrais para a eficácia e o impacto da programação) e de eventual necessidade de correcção e ajuste das políticas programáticas.
Por outro lado – não excluindo as minorias e garantindo a apresentação da maior diversidade possível de tendências, de modo a proporcionar um bem cultural a um espectro de público efectivamente alargado –, é fundamental perseguir essa função-missão de serviço público de modo resiliente e consistente (resistindo à crescente ditadura do quantitativo que tem inundado a sociedade em variados domínios), mesmo que nem sempre isso se traduza em resultados muito significativos no que respeita à quantidade de público, de ingressos vendidos e de receitas de bilheteira. Aqui, uma das formas de prestar serviço público consiste também na subsidiação do valor do bilhete. A partir do momento em que se pratica uma determinada política de preços que não corresponde aritmeticamente ao custo real do espectáculo, está-se a subsidiar o público.
Ainda nesta vertente da mediação com os públicos, há outro desafio fundamental para o programador: assegurar a permanente qualidade dos conteúdos artísticos apresentados não obstante quer a sua estética pessoal – costumo vincar que cerca de 40% do que programo não encaixa nas minhas preferências enquanto indivíduo/espectador/fruidor –, quer as variadas expectativas dos públicos. Considero essencial que o responsável pela programação artística não caia em tentações de auto-centramento e subjectivação excessivos, e, sobretudo – isto sem descurar a identidade, a diferenciação e a coerência da sua intervenção –, não perca a capacidade de relativizar o seu lugar, de se questionar e de se colocar fora de si, de olhar à volta, vestindo a pele de espectador invertido. Isto porque programar também é um confronto com a realidade, uma leitura da comunidade e do contexto em que se insere o espaço artístico, descodificando fenómenos, tendências e nuances ora mais visíveis ora veladas, o que não deixa de ser um exercício complexo e exigente. E aqui tanto é vital que a programação cultural vá ao encontro das preferências dos públicos como, paralelamente e até mais relevante, que encete movimentos disruptivos, ousados e bem alicerçados (a mediação é claramente decisiva nesse processo de sedução e facilitação do acesso) de confronto estético dos mesmos com abordagens que lhes são menos ou nada familiares/confortáveis. Falo de duas imagens paradigmáticas, muito caras aos programadores: a de alguém que vai assistir a um espectáculo de um criador ou companhia que à partida não conhecia e que sai de lá curioso e sedento de explorar, aprofundar e fruir mais do trabalho desses protagonistas; e a de alguém que, não obstante expressar a sua não adesão, ao nível do gosto, à proposta que fruiu, lhe reconhece qualidade e singularidade.
Há um outro erro crucial, por demais frequente e ligado à relação do programador com o meio artístico e criativo, que consiste na confusão entre serviço público e domínio público. Nesta linha, prestar um serviço público equivaleria a estar disponível para acolher tudo e todos, o que é claramente irrealista, incomportável e não consentâneo com uma função que assenta a sua matriz de acção no acto de escolher (e, assim, de incluir/excluir conteúdos) e na afirmação de uma identidade programática diferenciadora dotada de coerência, consistência e pertinência sócio-culturais. Ao invés, nas entrelinhas de vários discursos que têm vindo a público, parece vislumbrar-se a ideia perigosa e demagógica de que é “pecaminoso” recusar propostas (em prol de uma pretensa democraticidade e, assim, maior igualdade de oportunidades) e de que existe uma atitude ditatorial, altivo-presunçosa e limitadora por parte dos programadores no que toca nomeadamente a artistas enquadrados em realidades locais/regionais, a criadores/companhias de maior longevidade ou a protagonistas de grande aparato e mediatismo nacional geralmente ligados ao mainstream. Aqui recupero uma ideia que me parece incontornável: uma identidade programática define-se pelos conteúdos culturais e artísticos que inclui no seu plano mas também, em certos casos, e indirectamente, pelas propostas que não contempla no mesmo. Preocupa-me uma certa “diabolização” dos programadores e de outros agentes do sistema cultural, desrespeitando e fazendo como que tábua rasa de um trabalho responsável, regular, planeado, consistente e ético por parte de muitos profissionais que encaram a Cultura não apenas como um trabalho (sem horários) mas com um sentido superlativo de missão – como um modo singular de se inscrever e de questionar a complexidade do mundo, de contagiar e transformar o “outro”, de criar futuro(s).
É preciso não esquecer que o responsável pelo desenho programático depara-se diariamente com vários outros desafios e condicionantes estruturais que influenciam, em maior ou menor grau, a sua estratégia e que têm a ver com aspectos como a dimensão (lotação de público) do(s) seu(s) equipamento(s), o orçamento disponível e a quantidade de equipamentos culturais existentes na mesma área geográfica (mais estrita e alargada) e o tipo de propostas que privilegiam. Para já não falar de uma contingência óbvia: um sentimento de impotência face à impossibilidade real de apresentar todos os projectos artísticos de maior fôlego/ambição que desejaria, para já não falar de um considerável volume de propostas de qualidade e pertinência medianas que existem no mercado e que pode(ria)m fazer e criar sentido(s) no âmbito do seu plano. O programador deve ainda assegurar uma necessária, útil e fecunda rotação-modulação ao nível dos artistas e estruturas/companhias seleccionados, evitando uma certa fossilização de hábitos de agenda cultural (sem, contudo, desvirtuar a sua estratégia e principais linhas de intervenção) e permanecendo atento à emergência de novos valores e à capacidade de auto-questionamento e reinvenção dos nomes já consagrados. Este facto não invalida – e friso esta ideia – que sejam construídas, ao longo do tempo, relações de confiança artística dos programadores relativamente a um conjunto mais ou menos alargado (e que se deseja em constante crescimento, diversificação e auto-crítica) de criadores e intérpretes que aquele considera referenciais nas suas áreas e linguagens.
Note-se ainda que existe um cruzamento entre as esferas de produção e de criação no exercício da programação, dotando o responsável por esta de um papel híbrido. Esse estatuto plural do programador na sua relação com a comunidade artística está dependente do facto de o seu recrutamento ter sido feito dentro ou fora da área da Cultura. Se vier de fora, a sua legitimidade pode ser contestada pelos criadores pela luta de duas legitimidades: a do poder que selecciona a obra artística e a do poder de quem a cria. Se, ao invés, o programador for oriundo do universo cultural, a sua legitimidade também é desafiada porque lhe é atribuído o estigma de que se passou para o lado do poder ou de que não tem suficiente poder.
Uma penúltima nota para a questão da intuição. Se à programação está inerente uma selecção ponderada e objectiva de criadores/obras/projectos artísticos, fruto de um efectivo conhecimento do objecto, não é menos verdade que o perfil, a identidade e a personalidade de quem escolhe assumem um papel igualmente relevante num processo que não é redutível a uma visão científica ou encarado como utopicamente neutral. Há, de facto, também uma dimensão de subjectividade e intuição que guia o programador, uma faculdade como que “instintiva” (fruto de um misto de experiência empírica, sensibilidade estética, inquietação existencial e capacidade de leitura atenta e lúcida do seu tempo) de perceber, a priori, que uma dada ideia-projecto constitui um “gatilho” poderoso, vai funcionar e ter impacto. Na decisão do programador, designadamente de criações contemporâneas, está também presente uma dimensão de incerteza e arbitrariedade que não deixa de se fazer “em nome da pretensão ao conhecimento exaustivo do que se passa e se faz de importante” (Yves Michaud).
Para fechar, a dimensão autoral. O risco, a liberdade, a visão alternativa, a complexificação, o experimentalismo e a desconstrução são ideias associadas a uma programação criativa em que a vertente da autoria é claramente inerente ao labor e a um “rasto de fulgor” do programador – ainda mais acentuada quando este, por vezes, tem um background ligado ao meio artístico. A forma como ele cria sentidos (e não apenas sentido), conecta propostas entre si, interpenetrando-as, e contamina as acções reflectem uma intenção autoral, sendo essencial apoiar a assinatura do programador ao nível institucional de modo a criar uma efectiva cultura performática e uma consistente massa crítica. Porque o programador, movido por aquela “paixão grega” de que falava Herberto Helder na sua poesia, continuará buscando uma vida expansiva e refluída, o “silêncio estrutural [e o grito] das flores”, um extremo exercício de beleza, a revisitação crítica dos lugares reticentes do mundo, a antítese da banalidade, uma urgência de religação e humanismo, pois “é preciso cantar como se alguém soubesse como cantar” (Herberto). De um modo que a estatística dificilmente entenderá.