Bloco e PCP insistem no fim das PPP na Saúde, PSD e IL querem até alargá-las
Socialistas e Governo defenderam que a Lei de Bases da Saúde permite PPP desde que sejam exclusivamente supletivas, temporárias e fundamentadas.
O Bloco de Esquerda queria fazer cessar a vigência do decreto-lei do Governo sobre o novo regime para os contratos de parcerias público-privadas (PPP) na Saúde mas a sua proposta ficou pelo caminho com o voto contra do PS, PSD, CDS, Chega e IL e a abstenção do PCP, PAN e PEV – só a deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira votou ao lado dos bloquistas.
O PCP, que é também frontalmente contra a existência de PPP, preferiu outra estratégia: apresentar propostas de alteração ao diploma que o expurgam de todas as referências às PPP e reforçam o carácter público da gestão de todos os equipamentos e valências do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Também o PSD e a Iniciativa Liberal entregaram propostas de alteração ao diploma do Governo porque querem que as PPP sejam possíveis quando isso for vantajoso para o erário público.
No debate desta terça-feira no plenário sobre os pedidos de apreciação parlamentar do decreto-lei do Governo, o Bloco lamentou que o executivo socialista venha agora insistir nas PPP quando no ano passado, na discussão da nova Lei de Bases da Saúde (LBS), se combinou que as regras que as permitiam eram revogadas. Moisés Ferreira criticou que o Governo insista na possibilidade de entregar a gestão do SNS aos grupos económicos que falharam ao país na pandemia, que vá entregar 860 milhões para uma nova PPP em Cascais, que permita que os privados possam usar as instalações do SNS para exercerem medicina privada. “São decisões tomadas ao arrepio da LBS porque a lei diz que o Governo tinha que aprovar legislação com os termos da gestão pública do SNS, mas publicou os termos para a gestão privada.”
O deputado do Bloco defendeu que o diploma deve ir “para o lixo” porque na gestão da Saúde não pode haver lugar para quem ache que esta pode ser “um negócio como o das armas”.
A comunista Paula Santos considerou que o Governo fez uma “interpretação abusiva e contrária ao princípio da gestão pública do SNS” e lembrou que aos sectores privado e social cabe apenas um “papel supletivo onde a gestão dos equipamentos não tem lugar”. Porém, o decreto do Governo “mantém as actuais e permite novas PPP, não defende o interesse público, é prejudicial para os utentes e não garante os direitos dos trabalhadores”. A deputada do PCP apontou os desrespeitos aos contratos de algumas PPP identificados em inspecções, como a recusa de prestação de cuidados de saúde, encaminhar utentes para outros hospitais, alteração da situação de saúde dos utentes para cobrar por cuidados não prestados e das prioridades no serviço de urgência para evitar penalização por elevados tempos de espera.
O PCP argumentou que resolveu fazer o que o cabia ao Governo e este não cumpriu: “Pôr fim às PPP de acordo com o princípio de gestão pública que ficou definido na lei de bases.” “Não acompanhamos o actual decreto-lei, mas também não o anterior. Solução não pode passar apenas pela revogação para manter o anterior – ambos devem ser revogados.”
O social-democrata Álvaro Almeida criticou a “obstinação ideológica de PCP e Bloco obrigarem o SNS a ter gestão exclusivamente pública custe o que custar” e elogiou a “capacidade do PS de fazer a esquerda aprovar a lei de bases que excluía as PPP e agora vir legislar para as manter”. O deputado do PSD defendeu as vantagens associadas a um modelo misto e apontou que “o Programa Nacional de Reformas já referia que as PPP na Saúde têm garantido eficácia e eficiência para o Estado”.
“Seria um erro recusar este instrumento de gestão”, defendeu, acrescentando que a “lógica supletiva e temporária é excessivamente limitadora” e que se devem poder celebrar PPP, “desde que sejam garantidos os direitos dos utentes e seja vantajoso para o interesse público”. “As PPP não são a solução para todos os problemas do SNS, que deve ter uma gestão primordialmente pública, mas importa que as unidades adoptem as melhores práticas de gestão.”
João Cotrim Figueiredo também criticou a obsessão ideológica da nova lei de bases, à revelia do que acontece no resto da Europa (onde há privado e público a gerir), e das avaliações positivas do Tribunal de Contas e da UTAP – Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos. Uma PPP é uma “boa solução mas não satisfaz a esquerda”, lamentou. E André Ventura pediu a PCP e BE que não se façam de “ofendidos”, porque o PS não os enganou: António Costa “sempre disse” que haveria PPP supletivas e temporárias.
Ana Rita Bessa, pelo CDS, defendeu que o recurso aos privados é uma boa solução, sobretudo numa altura em que o SNS suspendeu cirurgias e consultas devido à pandemia. “Aprovaram a lei para ficar tudo na mesma, com a paz mórbida com este adiamento. E agora o Governo faz um decreto-lei que decalca o anterior e a lei de bases e a esquerda comporta-se como o marido enganado”, apontou a deputada do CDS, acrescentando que o SNS não consegue garantir sozinho a protecção na saúde com eficiência para o contribuinte e para o cidadão.
A deputada do PAN Bebiana Cunha afirmou que o Estado “se vinculou a contratos ruinosos para o erário público” e criticou as propostas da direita de quererem transformar o carácter supletivo e temporário em algo “perene”. A deputada anunciou que o seu partido entregou propostas para 13 soluções para a reforma estrutural na saúde.
Do lado do PS, Paulo Marques veio vincar que o decreto-lei “concretiza o que está na Lei de Bases da Saúde – a existir tal contrato de gestão com privados tem que ser supletivo e fundamentado, e não como na anterior, em que o privado concorria com o público”. A secretária de Estado Jamila Madeira – que há um ano liderava as negociações parlamentares à esquerda – enveredou pelo mesmo argumento, vincando ser uma “solução equilibrada e a que melhor serve o SNS” e recusando voltar ao regime de 2002. “As PPP não são um dogma; são instrumentos de gestão com partilha de responsabilidades e a melhor solução para financeiramente fazer a gestão” de alguns equipamentos.
O debate foi rematado por uma discussão entre André Ventura e Moisés Ferreira, com o último a dizer que o deputado do Chega prometeu ser deputado em exclusividade e agora trabalha também “para quem faz planeamento fiscal e especulação imobiliária, compra vistos gold, ao mesmo tempo que falta a votações sobre combate a branqueamento de capitais”. Ventura replicou que não é dono de alojamento local nem fala do turismo (referindo-se a Catarina Martins), não é vereador nem vende prédios em Lisboa (falando sobre Robles), nem dá moradas falsas, acusando o Bloco de se “vergar aos interesses privados há 20 anos”. E rematou perguntando onde estava Catarina Martins.