Quantas máscaras, batas, luvas e caixas de plástico vão para o lixo?

As medidas contra a covid-19 estão a levar a um aumento do uso de produtos descartáveis, sobretudo em negócios como cabeleireiros ou restaurantes. As alternativas são viáveis?

Miguel Garcia estende à cliente uma bata descartável, desdobra um penteador em plástico e coloca-o sobre os ombros dela, calça luvas e ajusta a viseira de plástico que lhe protege o rosto sobre a máscara que lhe cobre o nariz e a boca. Está pronto para começar o corte de cabelo. No final, todo este material, com excepção da viseira, irá para o lixo. E será assim todo o dia, a cada cliente que atende no seu cabeleireiro na Av. Defensores de Chaves, em Lisboa. O cálculo do lixo – assim como do custo que isto representa – depende do número de clientes diário.

Neste início de desconfinamento, e com as medidas que exigem o distanciamento social e, por isso, limitam a quantidade de pessoas que podem estar ao mesmo tempo no salão, esse número não é muito elevado. Miguel termina o trabalho, vai buscar o desinfectante e limpa a cadeira, a mesa, o espelho e todas as superfícies nas quais a cliente possa ter tocado.

Os cuidados que os estabelecimentos comerciais são obrigados a ter para evitar a propagação da covid-19 obrigam-nos, nesta fase, a um gasto muito grande de materiais. E, apesar de o Ministério do Ambiente garantir que não há qualquer segurança acrescida pelo facto de estes materiais serem de uso único, o facto é que a maioria dos profissionais, em locais como cabeleireiros, barbeiros ou restaurantes, por exemplo, recorre aos descartáveis, aumentando inevitavelmente a quantidade de lixo produzida.

“Isto rondou os 500, 750 euros por mês de investimento de entrada. Agora, devem ser uns 200 por mês, em tudo, desde os desinfectantes, o sabão para lavar as mãos, as luvas, as máscaras [que se devem usar por, no máximo, quatro horas]. Prevejo em seis meses um gasto de 1500 euros”, diz Miguel, que é presidente da Associação Portuguesa de Barbearias, Cabeleireiros e Institutos de Beleza e representou a sua e outras associações do sector nas negociações com o Governo sobre as regras para a reabertura dos estabelecimentos.

E os materiais têm de ser descartáveis? “Têm de ser obrigatoriamente descartáveis”, assegura. Há, contudo, algumas alternativas, como a toalha, que pode ser turca, mas tem que ser de utilização única, sempre lavada a mais de 60 graus. “Tudo o resto tem de ser descartável, porque não há quantidade suficiente para pôr a lavar, contar com o tempo de secagem e no dia seguinte ter penteadores para trabalhar.”

Existem no mercado penteadores reutilizáveis, mas “os preços são completamente diferentes – uma bata descartável pode custar entre os 80 cêntimos e um euro, um penteador reutilizável custa à volta de 10, 12, 14 euros”. Neste momento, diz, “não há condições para esse investimento”.

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"Uma bata descartável pode custar entre os 80 cêntimos e um euro, um penteador reutilizável custa à volta de 10, 12, 14 euros”. Vera Moutinho

Desperdício zero: é possível?

Os proprietários de restaurantes, que se viram obrigados a fechar as portas por causa da pandemia e tiveram, em muitos casos, de recorrer ao take-away, depararam-se com um problema semelhante: de repente, o seu principal investimento era em embalagens para levar a comida até casa das pessoas. A Makro, que trabalha essencialmente com a restauração, procurou adaptar-se rapidamente, oferecendo soluções para quem, de um dia para o outro, tinha de reinventar o negócio.

Na loja de Alfragide, Pedro Azevedo mostra uma nova área com os produtos destinados ao actual momento, desde os dispensadores de álcool-gel para serem colocados à entrada dos restaurantes aos diferentes tipos de caixas para take-away. Um quadro mostra os vários materiais, da cana-de-açúcar à folha de palma, passando pela madeira, o kraft ou o PLA (ácido poliláctico), indicando quais são biodegradáveis, compostáveis, recicláveis.

Apesar de o plástico ainda ser a escolha preferencial de muitos restauradores, Pedro Azevedo diz que está a aumentar a procura de produtos recicláveis ou biodegradáveis. E a diferença de preços? Procura um conjunto de 50 caixas em plástico e o equivalente em cana-de-açúcar. A conclusão é que o preço (entre os 11 e os 12 euros) é equivalente.

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Makro tem vindo a aumentar a oferta de produtos recicláveis ou biodegradáveis. Vera Moutinho

Mas as coisas podem não ser assim tão simples. No restaurante Kitchen Dates, em Telheiras, Lisboa, Maria Antunes e Rui Catalão apostam desde o início no desperdício zero. A covid-19 veio pôr-lhes novos desafios. Orgulhavam-se de não ter caixote do lixo, porque tudo era consumido ou reaproveitado. Agora têm um, pequeno, sobretudo para colocar os toalhetes de papel que se viram obrigados, por razões de higiene, a usar na cozinha.

Para já, decidiram não reabrir o espaço (onde existe uma grande mesa comunitária que não permite o distanciamento entre clientes) e apostam no take-away e nas entregas. Mostram as caixas que utilizam e que vêm do Reino Unido. São as únicas que encontraram que oferecem a garantia de serem só de cartão. “As outras que existem no mercado têm geralmente uma película de plástico e acaba por não ser possível a reciclagem, por isso têm de ir para o lixo”, explica Maria. Aumentam assim a quantidade de resíduos descartáveis nos aterros.

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No restaurante Kitchen Dates, em Telheiras, Lisboa, Maria Antunes e Rui Catalão apostam desde o início no desperdício zero. As embalagens do serviço de take away são de cartão. Vera Moutinho

Em casa, as pessoas, com boa intenção, colocam essas embalagens no ecoponto, mas, quando as máquinas as separarem, vão acabar por as considerar lixo comum e vão para o aterro. “Como estão entre o papel e o plástico, tal como os copos ditos “de papel”, as pessoas não conseguem fazer a separação. Nesse caso seria mais sustentável optar pelo plástico, porque sempre podem reutilizar algumas delas e pôr na reciclagem de plástico. Há muita coisa que vai inutilmente para o ecoponto”, asseguram. 

[Quanto aos bioplásticos,] podem ser compostáveis, mas na compostagem industrial e, que nós saibamos, existem duas em Portugal [que recebem resíduos orgânicos da recolha selectiva].” Se não forem encaminhados para aí, diz Maria, “acabam por ir para o aterro na mesma”. E é precisamente porque as coisas são muitas vezes mais complexas do que parecem que os Kitchen Dates não são antiplástico. “Nesta luta”, afirmam, “o problema não é o plástico, é o descartável.”

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Para já, Maria Antunes e Rui Catalão decidiram não reabrir o espaço e apostar no take-away e nas entregas. Vera Moutinho
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