Não fechemos a porta aos sefarditas
É importante que não se feche a porta, que tanto demorou a reabrir, e que não imitemos, pela segunda vez, o Reino de Espanha, em soluções que são discriminatórias, xenófobas e que nos fazem perder parte essencial de nós, enquanto Nação.
Os judeus chegaram a Sefarad, o território na ponta do fim do mundo à data conhecido, e instalaram-se. Ainda não se tinha dado a fundação de Portugal.
Connosco ficaram ao longo de vários séculos, ajudando a construi-lo com os seus conhecimentos científicos, económicos e com a sua forma de estar e de ser. D. Dinis chamava-lhes “os meus judeus”, os médicos da Casa Real eram, em regra, judeus e foi essencial o apoio que deram nas Descobertas, quando Portugal mostrou à Europa uma outra parte do Mundo.
Depois, vieram as perseguições e o ódio, sobretudo por razões religiosas. E, segundo as Ordenações do Reino, confinamo-los em judiarias (se delas saíssem durante a noite confiscar-lhes-íamos os seus bens), exigimos-lhes que usassem “o sinal” no seu vestuário, chamamos-lhes “cães arrenegados”, proibimos os casamentos mistos de judeus com cristãos. Queimámo-los em “autos de fé” na Praça do Rossio, entre o alarido das chamas e da população que assistia, em festa, a estas execuções públicas e, por fim, por influência dos Reis Católicos espanhóis, D. Manuel I assinou o édito que os expulsou do território nacional em 1496. E eles foram. Muito contribuíram para o desenvolvimento socioeconómico dos países onde se instalaram e assistiram à recessão que Portugal sofreu nos séculos seguintes.
Cinco séculos mais tarde, um Parlamento generoso e unânime tentou corrigir a injustiça histórica que lhes fora feita e ofereceu aos “descendentes de judeus sefarditas portugueses”, através da Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29 de Julho, a possibilidade de adquirirem, por naturalização, a nacionalidade portuguesa através da “demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa”.
Ao fazê-lo implicitamente reconheceu que, à data da sua expulsão, eram uma percentagem significativa da população portuguesa e que partilhavam as nossas origens, em matéria de património genético, de língua, de apelidos, de cultura, de pertença a uma comunidade comum. Regressámos à ideia de D. Afonso Henriques e de D. Sancho I, que bem afirmaram a sua importância na comunidade portuguesa, e reconhecemos que, só assim, com o acolhimento de todos os que nos originaram, respeitaríamos as nossas raízes históricas.
Os judeus sefarditas reagiram, com aparente alegria, a esta possibilidade de regresso a casa, no sentido profundo de “homecoming” que encontramos, por exemplo, no regresso de Ulisses a Ítaca, na Odisseia. O desejo imenso de regressar à terra prometida que é aquela onde nascemos e de onde, por qualquer motivo, fomos obrigados a partir. O fim da viagem ou do exílio. O acolhimento, por fim, por aqueles que são “os nossos” e que não pode estar sujeito a prazo, sob pena de deixar de o ser.
Por isso é tão importante que não se feche a porta, que tanto demorou a reabrir, e que não imitemos, pela segunda vez, o Reino de Espanha, em soluções que são discriminatórias, xenófobas e que nos fazem perder parte essencial de nós, enquanto Nação: os cidadãos inteligentes, cultos, sérios e bons que, durante mais de quinhentos anos, integraram o Reino de Portugal e contribuíram, o melhor que puderam e souberam, para a construção daquilo que somos e gostamos de ser.