Pandemia adiou o Dia da Sobrecarga da Terra para Agosto

Este ano, o planeta entra em défice ecológico quase um mês mais tarde do que no ano passado, ditou a pandemia. O Dia da Sobrecarga da Terra em 2020 será a 22 de Agosto. Há 15 anos que não era tão tarde.

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NASA

A cada ano, o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day, em inglês) marca a data em que a humanidade usou todos os recursos naturais que o planeta pode renovar durante o ano inteiro. No Dia Mundial do Ambiente, comemorado esta sexta-feira, a Global Footprint Network (GFN), a organização responsável por estimar esta data, anunciou o Dia da Sobrecarga da Terra para 2020: 22 de Agosto.

Assim, neste ano, o planeta entra em défice ecológico quase um mês mais tarde do que no ano passado – em 2019, o Dia da Sobrecarga da Terra foi a 29 de Julho. A GFN já previa que em 2020 a data fosse mais tardia, em comparação com os anos anteriores, dados os efeitos que a pandemia surtiu no ambiente. “A pandemia de covid-19 fez com que a pegada ecológica da humanidade se contraísse, demonstrando que é possível mudar os padrões de consumo de recursos num curto período de tempo”, lê-se no comunicado da organização.

No entanto, a verdadeira sustentabilidade não pode ser alcançada por causa de um desastre, como defende a GFN. Neste sentido, Maria Margarida Oliveira, bióloga, professora e vice-directora do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa, considera que é preciso “procurar uma situação de equilíbrio entre o bem-estar da humanidade e o bem-estar do planeta no seu todo”. 

Há 15 anos que o Dia de Sobrecarga da Terra não era tão tarde, o que é positivo, no entanto, foi uma consequência ditada pela pandemia e não um esforço planeado pela humanidade. “Temos de pensar que é uma alegria temporária que pode não se traduzir em nada de válido para o futuro, se não for acompanhado de medidas que, na realidade, permitam reduzir o nosso consumo normal”, afirma Maria Margarida Oliveira, também coordenadora do mestrado Biotecnologia para a Sustentabilidade no ITQB.

Em 2005, segundo a GFN, 25 de Agosto foi o dia em que foram usados todos os recursos naturais que a Terra podia renovar para aquele ano. Desde então, Dia de Sobrecarga da Terra tem ocorrido cada vez mais cedo a cada ano que passa. Isto significa que cada vez mais cedo os recursos naturais renováveis estão a ser esgotados e, simultaneamente, a perder a capacidade de se regenerarem. Este dia começou a ser calculado desde 1970.

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A pandemia ditou que este ano fosse diferente – veio alterar os padrões de consumo dos recursos e quebrou a tendência, até agora negativa. O Dia de Sobrecarga da Terra deste ano reflecte uma redução de 9,3% da pegada ecológica da humanidade desde 1 de Janeiro, em comparação com a data do ano passado, explica a GFN. Como define esta organização, a pegada ecológica é a única métrica que mede “quanta natureza temos e quanta natureza usamos”.

No entanto, esta redução não é motivo para baixar os braços. “Uma das coisas mais importantes é a tomada de consciência do que está a acontecer. Uma sociedade 100% materialista tem mais dificuldades em compreender de que maneira a sua actividade hoje se vai reflectir no futuro”, afirma a bióloga Maria Margarida Oliveira. Por isso, “tem de haver contrapeso e medida em tudo o fazemos e têm de se arranjar soluções que minimizem o impacto ambiental das nossas actividades”, sugere.

Como é que a pandemia ajudou a adiar a data?

Segundo a GFN, trata-se de uma consequência directa da situação de confinamento induzida pela covid-19 em todo o mundo. A pandemia levou, por exemplo, a uma redução da exploração de madeira e das emissões de dióxido de carbono provenientes da combustão de combustíveis fósseis, que, salienta aquela organização, são os principais factores por trás da diminuição da pegada ecológica.

Maria Margarida Oliveira, que dirige uma unidade de investigação de Biorrecursos para a Sustentabilidade do ITQB, destaca também a diminuição da poluição atmosférica. “Só o impacto que a pandemia teve em termos da qualidade do ar, quer em zonas centrais da Europa quer na Ásia, é um efeito brutal.” Por isso, a investigadora defende que “temos de arranjar formas melhores de preservar o meio ambiente”.

Além disso, durante a pandemia a possibilidade de circulação ficou limitada, pelo que a realização de “menos intercâmbios de longo curso nas trocas alimentares e que têm uma pegada ecológica enorme”, explica a investigadora, teve também um efeito positivo no ambiente.

E depois da pandemia?

Segundo os dados avançados pela GFN, actualmente a humanidade usa cerca de 60% a mais do que pode ser renovado - o equivalente aos recursos naturais renováveis de 1,6 planetas. Se não fosse a pandemia, por esta altura já precisaríamos de um “crédito ambiental”, não só em Portugal, como no mundo.

Maria Margarida Oliveira acha que é possível retirar uma lição da situação que vivemos actualmente. “Todas as catástrofes ou desastres são oportunidades para pararmos, pensarmos e tentarmos arranjar formas de prever e de evitar situações equivalentes no futuro”. Como diz, temos de “ver o que aconteceu de bom associado ao trágico”.

No que toca à pós-pandemia, a investigadora acha que “vai ter de haver um esforço de quem se preocupa com o ambiente ir lembrando que precisamos de alterar muito o nosso modo de funcionamento normal”, que segundo a investigadora “não é algo que mude com muita rapidez”. “É preciso persistência, perseverança, trabalho e muita educação”.

Texto editado por Teresa Firmino

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