Câmaras para calcular lotação das praias? “Temporariamente”, diz Comissão Nacional de Protecção de Dados

As câmaras vão tirar fotografias em tempo real em cerca de 70 praias portuguesas para ajudar a gerir a lotação dos espaços.

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Algoritmos irão transformar as imagens em dados anónimos Miguel Manso

A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) deu parecer positivo à instalação de câmaras que tiram fotografias nas praias portuguesas para ajudar a controlar a pandemia da covid-19. A informação recolhida só será usada para determinar a lotação das praias e poderá ser consultada através de aplicações móveis, mas o seu uso deve ser limitado à época balnear de 2020. 

“O tratamento de dados pessoais só se justifica pela necessidade de exercício de funções do interesse público de prevenção de risco e de protecção da saúde pública”, lê-se na deliberação da CNPD publicada esta quinta-feira, que nota que não conhece todos os detalhes sobre a tecnologia.

Para já, a CNPD considera que o uso destes sistemas deve ser “limitado temporalmente” visto que está em causa a “captação de imagens de pessoas em elevadíssimo número que se encontram no espaço público e em condições de especial exposição num local destinado a ser vivido de forma descontraída.” A CNPD sugere, ainda, que os aparelhos sejam colocados “de modo a atenuar os riscos de identificação das pessoas abrangidas pelas câmaras” e lembra que o sistema requer uma “avaliação de impacto” sobre a protecção de dados.

O parecer da CNPD resulta de um pedido da Secretária de Estado do Ambiente e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para analisar a solução tecnológica Smart Crowd, financiada pela Fundação Vodafone, que obtém informação sobre a taxa de ocupação de cerca de 70 praias portugueses a partir de fotografias em tempo real. Trata-se de uma das várias ferramentas desenvolvidas para gerir a lotação das praias na época balnear de 2020, e resulta de um protocolo entre a Direcção-Geral da Autoridade Marítima, o Instituto Nacional de Reabilitação, I. P., e a Associação Bandeira Azul da Europa (ABAE).

De acordo com a APA, as câmaras serão instaladas nos mastros das bóias ou no topo do apoio de praia e irão processar a informação de forma autónoma, através de sistemas de inteligência artificial, sem qualquer intervenção humana. “Estes sistemas utilizam as imagens apenas durante o tempo estritamente necessário para o cálculo da taxa de ocupação e de seguida remetem informação alfanumérica (n.º de pessoas e área útil), em formato anónimo e agregado”, lê-se na informação enviada pela APA à CNPD.

Os dados serão tratados por sistemas de inteligência artificial, que transformam as imagens em dados, e enviados para aplicações móveis como a Praia em Directo (disponível para Android e iOS), que é desenvolvida pela Vodafone, ou a Info Praia (Android e iOS), da APA.

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Aplicação Info Praia APA

Não se conhecem detalhes das câmaras

Questionada pela CNPD sobre o tipo de captação de imagens e respectivo processamento, a Fundação Vodafone esclarece apenas que o “sistema [da Smart Crowd] apresenta um risco baixo” para a privacidade, segundo o estudo de impacto que foi realizado por aquela fundação. 

A CNPD nota, no entanto, que não teve acesso a informação sobre as características, capacidade e resolução das câmaras (por exemplo, se é possível fazerem zoom) e que “não há registo sobre o tempo de conservação das imagens no computador local” que transforma as imagens em informação numérica.

Apesar do sistema usar inteligência artificial para aprender a melhor interpretar as fotografias, também não há informação sobre o modo como a aprendizagem é efectuada. Para a CNPD, o “responsável deve estar em condições de demonstrar que os algoritmos de machine learning estão suficientemente blindados em relação à eventual aplicação de outros factores susceptíveis de gerar discriminação”.

As duas aplicações que recebem informação do sistema Smart Crowd (a Praia em Directo e a Info Praia), pedem acesso à localização do utilizador. Trata-se de uma ferramenta opcional que permite informar o utilizador sobre praias nas suas proximidades. A Info Praia, porém, também pede acesso aos contactos, conteúdos do cartão de memória (por exemplo, fotografias), bluetooth, e informações sobre a ligação a Wi-Fi. Para a CNPD, é excessivo.

“Apenas se encontra justificação para a recolha do dado localização e ligação de rede, exigindo-se, quanto ao dado localização, o consentimento explicito do utilizador”, lê-se no parecer da CNPD que lembra que o Regulamento Geral para a Protecção de Dados defende que o tratamento de dados pessoais deve ser “pertinente e limitado” a finalidades especificas.

A CNPD reconhece, no entanto, que o recurso a câmaras “tem em vista garantir o controlo da pandemia da covid-19” e por isso considera que o interesse público justifica o seu uso para a época balnear de 2020. Os utilizadores devem ser informados sobre a forma como os dados serão tratados e onde serão guardados.

“A utilização de Inteligência Artificial, em especial quando envolve técnicas de auto-aprendizagem, reclama um esforço de transparência precisamente para criar a indispensável confiança na sua utilização”, lembra a CNPD.

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