ONU quer usar inteligência artificial para ajudar países a combater pobreza e desigualdade de género
A ferramenta usa algoritmos que simulam um governo virtual e assumem o papel de diferentes organizações para ajudar políticos a definir prioridades.
A Organização das Nações Unidas (ONU) está a trabalhar numa ferramenta de simulação que usa inteligência artificial para ajudar governos a resolver problemas como a desigualdade de género, pobreza e fome. Está a ser testada em países da América do Sul, nomeadamente no México, Uruguai e Colômbia.
O modelo computacional conhecido por PPI (Policy Priority Inference, na sigla inglesa), desenvolvido em colaboração com uma equipa do Instituto Alan Turing, no Reino Unido, analisa dados fornecidos por agências governamentais com vista a encontrar objectivos políticos realistas e exequíveis, seguindo o melhor caminho para os pôr em prática. A ONU quer utilizar a ferramenta para ajudar os países a atingir os 17 objectivos de desenvolvimento sustentável definidos para 2030.
“O PPI pode ajudar os países a definir prioridades, especialmente países menos desenvolvidos que não têm acesso a centenas de diferentes especialistas para os ajudar a tomar decisões para cada tópico”, começa por explicar ao PÚBLICO Omar Guerrero, um dos investigadores do Instituto Alan Turing envolvidos no projecto que começou em Março de 2019. “Muitas vezes, os governos não sabem exactamente aquilo que querem. Durante o período de campanha eleitoral, os políticos estão focados num conjunto de cerca de dez objectivos, mas quando são eleitos têm de dar atenção a muitos mais temas. Torna-se difícil gerir recursos”, continua o investigador, que integra o Conselho de Investigação Económica e Social do Reino Unido.
Apesar de o PPI funcionar com inteligência artificial, Guerrero sublinha que os algoritmos não estão a ser treinados para substituírem políticos ou peritos em direito e economia. “A nossa ferramenta não põe algoritmos a aprender automaticamente para chegar a uma conclusão. Utilizamos agent-based modelling, um sistema que veio antes da tendência de usar sistemas de aprendizagem automática para tudo”, esclarece Guerrero.
Simular um “governo virtual"
O PPI funciona com algoritmos que “simulam um governo virtual” e assumem o papel de um agente (por exemplo, autoridade de saúde de um país, instituições governamentais, consumidores, ou o sindicato dos trabalhadores) para analisar o desfecho de diferentes interacções. O modelo é construído com dados fornecidos pelos governos, como os orçamentos governamentais, o impacto que os gastos tiveram no passado e a eficácia do sistema jurídico de cada país.
“Os agentes estão programados para agirem em prol do seu interesse, consoante uma série de limitações e o contexto em que estão”, sumariza Guerrero. Isto pode revelar que investir na educação, por exemplo, pode ajudar a combater as desigualdades de género, ou que há objectivos estratégicos que não se conseguem cumprir durante apenas um mandato.
Até agora, o modelo apenas foi usado em pequenos casos de estudo na América do Sul, embora políticos no México tenham demonstrado interesse em continuar a usar a ferramenta. “Participar neste projecto tem sido extremamente valioso”, comentou Mauricio Garcia, responsável pela avaliação e análise de informação por detrás de novas políticas públicas do estado de Nuevo León, no México, num comunicado de apresentação do PPI. Para Garcia, a ferramenta obriga o país a seguir e pensar sobre as metas de desenvolvimento sustentável da ONU.
Há, no entanto, algumas limitações ao sistema. “Vai sempre ser preciso um especialista humano para analisar os resultados, e os resultados vão depender muito da qualidade dos dados que introduzimos”, reconhece Guerrero, que descreve como “fundamental” a colaboração dos governos para a ferramenta funcionar.
“Muitas vezes os governos não querem revelar quais são os seus objectivos reais, ou dados sobre alguns indicadores. Sem informação de qualidade, o sistema não funciona tão bem”, admite o investigador.
A equipa do Instituto Alan Turing acredita que a ferramenta também pode ser utilizada para ajudar os países a ultrapassar a crise provocada pela covid-19, ao elaborar o impacto da pandemia na economia.
“Com a pandemia da covid-19, as metas dos diferentes países e o tempo previsto para atingi-las vai mudar muito. No México, por exemplo, há estimativas que existam mais 10 milhões de pessoas em situação de pobreza no próximo ano”, comenta Guerrero. “O PPI pode ajudar a perceber quanto tempo vai ser preciso para atingir a normalidade e como gerir o orçamento para a saúde e para a infraestrutura.”
Além de vários países na América Latina, o Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido também está interessado em usar a nova ferramenta da ONU.
“Não estamos a dizer que o PPI é a ferramenta do futuro para decisões políticas”, frisa Guerrero. “A ideia é que seja mais uma ferramenta, entre as muitas opções que os governos têm ao seu dispor para os ajudar a tomar decisões.”