Por que não querem advogados nos tribunais de família e menores?
Permitir-se que as partes, especialmente em questões de família e menores, possam litigar em tribunal sem advogado é inaceitável. A justiça não se faz sem advogados, e menos ainda a justiça das crianças.
A ideia de que os advogados constituem empecilhos à ação da justiça não é nova. Diz-se que utilizam expedientes dilatórios para empatar os processos, que dificultam a obtenção de acordos com o propósito de prolongar artificialmente os litígios, etc.
Ora, esta teoria, popular nos comentários às notícias de jornal, é falsa e tremendamente injusta.
A esmagadora maioria dos advogados são homens e mulheres de bem. O primeiro interesse do advogado é o bem-estar e a defesa dos interesses do seu representado, e tal implica obter uma solução célere para a sua questão. Um cliente satisfeito recomendará o seu advogado, e voltará a procurá-lo no futuro.
A lentidão da justiça não se deve, certamente, à ação dos advogados, e os culpados terão de ser encontrados noutro local.
A verdade, porém, é que o legislador nacional parece ser permeável a esta absurda ideia e, incompreensivelmente, muitas ações judiciais podem ser instauradas em Tribunal sem advogado. E assim sucede em grande parte dos processos de família e menores.
Em consequência, multiplicam-se as ações judiciais em que as partes litigam sozinhas, o que é muitas vezes fatal para os seus interesses. O cidadão comum, sem formação jurídica, não está apto, naturalmente, a representar-se a si próprio em Tribunal, seja porque desconhece os direitos que lhe assistem e o modo de os fazer valer, seja porque desconhece a tramitação da ação judicial.
A sentença baseia-se nos elementos que as partes levam ao processo, e a ausência de advogados conduz à consideração de uma factualidade imperfeita, parcial, e amputada de elementos porventura essenciais.
O processo judicial foi idealizado por juristas para ser utilizado por juristas, e é nesse pressuposto que se baseia o seu funcionamento.
O recurso ao tribunal sem um advogado é também pernicioso para toda a comunidade, já que induz uma sobrecarga no sistema: a ausência de preparação técnica das partes importa trabalho adicional para juízes, procuradores e funcionários judiciais forçados a fazer as vezes de advogado.
Se o propósito de excluir os advogados destes processos foi abreviá-los, estamos conversados!
Esta realidade é especialmente preocupante no âmbito da jurisdição de família e menores, já que tratamos aqui de crianças e do seu superior interesse que não sai acautelado quando os progenitores estão sozinhos em tribunal pedindo ao juiz, por exemplo, a regulação das responsabilidades parentais ou a definição do montante da pensão de alimentos.
Nos breves momentos que duram algumas diligências judiciais, como a conferência de pais, os progenitores não estão muitas vezes em condições – até anímicas e emocionais - de avaliar a razoabilidade de um acordo que lhes seja proposto. Tanto mais que o ambiente é solene e naturalmente intimidante para os não iniciados. Ou sequer de fornecer ao tribunal todos os elementos que permitiriam uma correta avaliação da situação. E sabemos que o regime provisório saído desta conferência terá grandes probabilidades de cristalizar-se em definitivo.
Nas conferências de pais em que não estão presentes advogados, e apesar dos esforços meritórios de juízes e procuradores, produzem-se frequentemente maus acordos e piores regimes provisórios, o que não é de espantar. E de uns e outros são vítimas crianças.
Permitir-se que as partes, especialmente em questões de família e menores, possam litigar em tribunal sem advogado é inaceitável. A justiça não se faz sem advogados, e menos ainda a justiça das crianças.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico