O desporto de joelhos por George Floyd
Colin Kaepernick cristalizou o gesto em 2016 como um símbolo de luta contra o racismo sistémico na América e, quatro anos depois, está a ser usado por atletas de todo o mundo que se juntam ao protesto.
Não deixa de haver uma simetria entre o gesto que Colin Kaepernick utilizou em 2016 para denunciar o racismo sistémico nos EUA e o que provocou a morte de George Floyd. Kaepernick ajoelhou-se enquanto tocava o hino norte-americano num jogo da NFL, Floyd morreu com o joelho de um agente da polícia de Mineápolis no pescoço. Houve quem considerasse Kaepernick (Donald Trump foi um deles) um antipatriota, mas, quatro anos depois, o protesto silencioso do quarterback faz mais sentido do que nunca e tem sido replicado na onda de protesto que tem atravessado a América nos últimos dias. E os próprios desportistas, nem sempre os mais vocais na denúncia das desigualdades, também não ficaram calados. E não foi só na América.
Numa altura em que o desporto mundial vai lentamente saindo do desconfinamento, muitos destes protestos surgiram nas redes sociais, mas nem todos. Marcus Thuram, jovem avançado francês do Borussia Moenchengladbach, aproveitou os holofotes que estavam sobre sim após ter marcado dois golos num jogo da Bundesliga e replicou o gesto de Kaepernick no relvado, um gesto natural para ele, ou não fosse filho de Lilian Thuram, o antigo internacional francês que é uma voz activa na luta contra o racismo e que, no final do ano passado, em entrevista ao PÚBLICO, falava de Kaepernick como “um óptimo exemplo” e que “as pessoas têm de ganhar coragem” para intervir “numa mudança da sociedade”.
Thuram não foi o único na Bundesliga a manifestar-se. Jadon Sancho de Achraf Hakimi, ambos do Borussia Dortmund, exibiram mensagens por baixo do equipamento a pedir “Justiça para George Floyd”, a mesma que Weston McKennie, médio norte-americano do Schalke 04, exibiu numa braçadeira. “Tinha de fazer alguma coisa e era o meu dever, por ser americano e por isto se passar na América. Este é um problema que não vai desaparecer tão cedo”, disse o jovem de 21 anos em entrevista ao site da “Forbes”.
Estes protestos estão sob investigação por parte da Federação Alemã, que não permite mensagens de conteúdo político. Mas a FIFA, organismo que também não costuma dar grande margem de manobra aos jogadores para se manifestarem em campo neste género de assuntos, pediu compreensão aos organizadores dos campeonatos e federações nacionais. “De forma a afastar qualquer mal-entendido no que concerne a competições da FIFA, os recentes protestos de jogadores em jogos da Bundesliga devem ser aplaudidos e não sancionados”, disse Gianni Infantino, em comunicado enviado à agência AFP.
Também de joelho no relvado foi como se exibiu toda a equipa do Liverpool - todos os jogadores do líder da Premier League se juntaram à volta do centro do relvado de Anfield. O mesmo fizeram os jogadores do Chelsea e do Newcastle e, individualmente, vários outros jogadores usaram as redes sociais para divulgarem as suas mensagens de protesto, como Paul Pogba e Marcus Rashford, do Manchester United. Em Itália, o técnico português Paulo Fonseca também se ajoelhou ao lado dos jogadores da Roma.
Entre muitos exemplos de desportistas que se fizeram ouvir nos últimos dias (impossível enumerá-los a todos) estão algumas das maiores figuras das respectivas modalidades também se juntaram aos protestos, como o basquetebolista LeBron James, a tenista Serena Williams, o piloto Lewis Hamilton, e até Michael Jordan, que nunca teve posições públicas conhecidas sobre este assuntos, mostrou a sua revolta, aproveitando também o protagonismo que recuperou com a exibição do documentário “The Last Dance”.
Mas poucos foram tão longe como Jaylen Brown, jogador dos Celtics, que conduziu 15 horas de Boston até Atlanta, capital do Estado da Geórgia (onde nasceu) para liderar uma manifestação. “É um protesto pacífico, sendo uma celebridade, um jogador da NBA, não me exclui da conversa. Sou um homem negro e faço parte desta comunidade. Temos de chamar a atenção para as injustiças que temos visto”, declarou o jogador dos Celtics.
E Colin Kaepernick? Tem feito a sua parte, depois de ter sido banido pela NFL - os San Francisco 49’ers não quiseram ficar com ele e nenhuma das outras equipas lhe deu emprego nos últimos quatro anos. “Só queria chamar a atenção para o que se passa neste país”, dizia o “quarterback” em 2016. “Não é nada de novo, já acontece há muitos anos e é algo que tem de mudar. Só me irei levantar quando algumas coisas mudarem de forma significativa. Uma das coisas que tem de mudar é a brutalidade policial. Há pessoas que são assassinadas e ninguém é responsabilizado. Justiça e liberdade para todos é algo que não acontece”, reforçava Kaepernick, depois acusado de ser antipatriota pela sua atitude e pelas suas palavras, banido da NFL e usado como “saco de pancada” por Trump e outros por não respeitar símbolos.
Quatro anos depois, Kaepernick continua desempregado, mas abriu um fundo para custear as despesas legais de manifestantes que tenham sido presos durante os protestos “por lutar contra a injustiça”.