Sequelas da covid-19 em casos mais graves ainda estão por compreender

“Só daqui a seis ou 12 meses, no mínimo, é que teremos capacidade de avaliar a extensão das sequelas e quais os órgãos mais atingidos”, explica o pneumologista Filipe Froes. Mas é expectável que os doentes “que estiveram hospitalizados durante períodos longos” sejam os mais afectados, diz especialista da OMS.

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Unidade de cuidados intensivos do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures Miguel Manso

O acompanhamento dos doentes que estiveram internados com covid-19 é um dos grandes desafios do sistema de saúde para compreender que sequelas a doença poderá deixar, disseram especialistas questionados pela agência Lusa.

“Só daqui a seis ou 12 meses, no mínimo, é que teremos capacidade de avaliar a extensão das sequelas e quais os órgãos mais atingidos”, afirma o pneumologista Filipe Froes, adiantando que pelo menos os hospitais de São João (Porto) e de Santa Maria (Lisboa) já têm um plano de consultas de acompanhamento pós-covid-19.

A epidemiologista e principal responsável técnica da resposta à covid-19 da Organização Mundial de Saúde (OMS), Maria Van Kerkhove, afirmou esta segunda-feira na conferência de imprensa diária de acompanhamento da pandemia que os efeitos a longo prazo podem ser mais expectáveis em doentes “que estiveram hospitalizados durante períodos longos, que podem ter estado entubados, podem ter tido pneumonia grave ou síndrome de choque tóxico”.

Maria Van Kerkhove afirmou que a comunidade médica está “agora a começar a aprender com estes doentes recuperados e espera ter uma forma mais sistemática” de os tratar depois da hospitalização.

Ainda sem se conhecerem todos os efeitos e manifestações no organismo da infecção pelo novo coronavírus, Filipe Froes destaca que nos doentes que saem do internamento e dos cuidados intensivos depois de problemas respiratórios, é natural que se registe “uma perda funcional” nos pulmões, “mas que pode ser reversível”.

Como a doença se manifesta mais visivelmente no sistema respiratório na maior parte dos doentes, o pulmão será o órgão em que os especialistas se deverão concentrar mais para estudar sequelas da doença, que poderão ser avaliadas com “estudos de função respiratória e imagiológicos”.

“O órgão com maior risco será o pulmão, mas teremos de fazer o caminho caminhando. Há que ter em conta muitas variáveis: certas doenças prévias, as características de cada pessoa e a evolução da doença”, salientou. “Há estudos que sugerem danos no aparelho cardiovascular, renal ou neurológico, bem como o risco de desenvolver doenças auto-imunes” nos doentes que tiveram covid-19.

Maria Van Kerkhove destaca que os serviços de saúde precisam de acompanhar os doentes que foram hospitalizados “ao longo do tempo para perceber como recuperam e se vão precisar de que cuidados prolongados, e quais”, referiu.

“O que sabemos a partir de todas as pessoas que foram infectadas globalmente, até agora, é que a grande maioria recuperará sem problemas”, mas a vigilância terá de continuar para “aqueles que tiveram uma forma grave da doença ou que estiveram em estado crítico”.

Nas suas orientações actualizadas para clínicos, divulgadas na semana passada, a OMS indica que na reabilitação poderá ser preciso contar com várias especialidades, de acordo com as necessidades de cada doente, o que poderá incluir medicina física e de reabilitação, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala ou até profissionais de saúde mental.

No caso de doentes que tenham tido doença respiratória grave e haja síndrome pós-cuidados intensivos — uma forma de trauma que pode afectar de várias formas os doentes que sobreviveram a situações mais severas desde fadiga persistente a dificuldade em conseguir desempenhar tarefas diárias —, deve haver programas de reabilitação pulmonar para os doentes.

Os programas de reabilitação, refere a agência de saúde das Nações Unidas, devem incluir o ensino de técnicas e exercícios de respiração, gestão da ansiedade e assistência no caso de serem exigidas alterações nas casas dos doentes recuperados.