No TAGV prepara-se uma reabertura contida, depois da travessia do deserto
Sala de Coimbra mantém a fila de intervalo entre espectadores para aumentar confiança, diz director. Para já, só ali se exibirá cinema.
“É uma situação muito complexa para o sector das artes”, introduz o director do Teatro Académico Gil Vicente (TAGV), Fernando Matos Oliveira, a três dias da reabertura da sala de Coimbra, poucas horas depois de serem tornadas públicas as orientações da Direcção-Geral de Saúde (DGS) para o desconfinamento dos equipamentos culturais. Será na manhã da própria segunda-feira que os funcionários do teatro ali instalarão a parafernália de sinalizações, avisos e desinfectantes que permitirão ao público regressar ao TAGV.
Depois de quase três meses de casa encerrada, este será necessariamente um abrir de portas contido. “As pessoas vão confrontar-se com indicações que orientam os modos de circulação dentro do espaço e informam como se devem comportar e gerir a sua presença: como se devem sentar, por onde devem entrar, por onde devem sair, os cuidados a ter”, descreve o director. Estas indicações vão acompanhar o espectador a partir da porta envidraçada, passando pelo foyer de piso de madeira e paredes revestidas a azulejo, até ao auditório com 764 cadeiras em azul aveludado, que receberão entre 80 e 100 pessoas, no máximo.
O TAGV, uma estrutura da Universidade de Coimbra (UC), é normalmente habitado por várias disciplinas artísticas, do teatro à música, do cinema à dança. Mas, por enquanto, apenas o cinema, entre filmes de autor e cópias restauradas da obra de Luis Buñuel, vai voltar a entrar. Será assim, duas vezes por semana (segunda e quinta-feira, às 21h30), pelo menos até Julho. Esta segunda-feira, o regresso faz-se com Mosquito, um filme de João Nuno Pinto sobre a participação portuguesa na frente africana da Primeira Guerra Mundial. É a forma possível – sendo o cinema “uma opção relativamente evidente” – de retomar a actividade, numa altura em que as metáforas belicistas colonizaram o discurso público de combate à pandemia.
“O cinema é a melhor modalidade para regressarmos ao contacto com o público”, diz Matos Oliveira. Apesar do levantamento da proibição, muitas salas vão, de facto, continuar encerradas. A impossibilidade de ensaiar nos últimos dois meses, pelo menos presencialmente, complica o regresso imediato do teatro e da dança. E, seja como for, a pandemia afecta “a essência dos espectáculos performativos”, que assenta na experiência partilhada. Estando o TAGV ligado à UC, que não retomou ainda as aulas presenciais, também essa componente relacionada com as dinâmicas de ensino, “de uma escala mais humana e de partilha” presencial, fica afectada.
Intervalo de confiança
O essencial, agora, é transmitir segurança. “As pessoas não têm só de ter vontade de ir [ver espectáculos], têm de ter confiança e acreditar que estamos a fazer o possível”, sublinha Fernando Matos Oliveira. E é para alargar esse intervalo de confiança que, apesar de as regras não o exigirem, o TAGV vai manter uma fila vazia entre espectadores. De resto, serão seguidas as orientações da DGS, como o intervalo lateral de cadeiras vagas ou a utilização de máscara, bem como a higienização e o arejamento da sala entre cada sessão pública.
Outra das medidas em vigor é a venda exclusiva de bilhetes online, o que, sendo uma forma de minimizar o contacto físico, vai dando também para medir a possível afluência. O guichet do TAGV só abre mesmo para tratar de questões relacionadas com os espectáculos cancelados desde Março. Na sexta-feira, já havia alguns bilhetes vendidos para Mosquito, dando corpo às saudades do público habitual da sala, conta o director: “No meio deste temor, recebemos alguns contactos de espectadores que gostavam de voltar a ter um espaço na cidade. Mandaram-nos mensagens para endereços oficiais, para membros da equipa que conhecem e nas redes sociais.”
A reabertura contida do TAGV para um mês de cinema é também uma forma de preparar terreno para um Setembro que ainda não se sabe o que vai ser. Com a rentrée também envolta em incerteza, torna-se ainda mais complicado planear o acolhimento de espectáculos de dança e teatro em itinerância, uma vez que essa operação exige “harmonizar um cronograma” entre salas de vários pontos do país num contexto ainda muito instável. “Em países como Itália ou Alemanha, há indicações para que só haja reabertura em 2021“, aponta o director da sala.
Vizinho próximo da Praça da República, lugar habitual de “partilha, troca, presença e diálogo no espaço público”, o TAGV foi o lugar onde Matos Oliveira, que dirige o espaço desde 2011, passou oito horas de um dia de Abril a trabalhar, e a observar uma cidade vazia. “Não havia quase ninguém à volta. É uma experiência muito intensa, se pensarmos que ali aconteceram manifestações políticas, actos de resistência, lutas pela democracia, contestação de estudantes. Transformou-se num deserto social e queremos contribuir para mudar isso.”