Salas para isolamento, limpeza e dois metros de distância. Guia para o regresso seguro ao local de trabalho
O teletrabalho deixa de ser obrigatório nesta segunda-feira. Para muitos portugueses, este será o primeiro regresso às empresas, o que implica novas regras, cuidados e rotinas. O PÚBLICO preparou-lhe um guia com respostas de um especialista e das autoridades da saúde e do trabalho.
A partir desta segunda-feira, dia 1 de Junho, o teletrabalho deixou de ser obrigatório. O Governo, porém, tem como estratégia o “teletrabalho parcial”, para que as empresas se adaptem e existam as devidas regras de segurança e, sobretudo, para que o país continue a avançar na concretização do plano de desconfinamento.
Para muitos portugueses, este será o primeiro regresso ao local de ofício em mais de dois meses, obrigando a novas regras e cuidados. O PÚBLICO preparou-lhe um guia que junta informações e dicas para o “regresso” ao trabalho de um especialista nas áreas da saúde e segurança nos locais de trabalho e da saúde pública, da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e da Direcção-Geral da Saúde (DGS).
Serão necessárias escalas de trabalho?
A implementação de escalas de trabalho, ou seja, a criação de um ou vários grupos de trabalhadores que vão alternando entre o teletrabalho e as idas às empresas, é uma das soluções que as empresas podem considerar para diminuir o risco de contágio.
“Cada empresa deve perceber se é possível organizar-se em equipas que trabalhem, por exemplo, duas semanas seguidas e não se encontrem. É algo que reduz bastante o risco. Se existir algum problema numa equipa, na outra não existe. Não é necessário ser de duas em duas semanas, pode ser semanalmente ou diariamente, mas terá de ser sempre de acordo com as exigências do trabalho e com os objectivos de cada empresa”, começa por explicar ao PÚBLICO António Uva, professor da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), acrescentando que os patrões também podem “jogar” com os diferentes horários dos trabalhadores.
De acordo com o guia da ACT, é “recomendado que a empresa considere desfasar os horários o mais possível se o espaço de trabalho não permitir que o distanciamento físico seja mantido”.
As empresas têm de elaborar plano de contingência?
A Direcção-Geral da Saúde afirma, na secção de perguntas e respostas sobre a covid-19, que a elaboração de planos de contingência, ou seja, determinar que procedimentos devem ser seguidos se for identificado um caso suspeito de covid-19 numa empresa, é uma “boa prática”.
A autoridade da saúde refere que “todos os colaboradores dos estabelecimentos e empresas devem conhecer os procedimentos a tomar” nessas situações. Já a ACT diz que este plano deve ser actualizado quando necessário e à medida que “evoluir a situação epidemiológica e as recomendações das autoridades”.
É necessária uma sala de isolamento?
A DGS refere que é necessário que as empresas e estabelecimentos tenham um local para onde os casos suspeitos se devem dirigir, mas sublinha que não tem de ser uma sala ou um gabinete. “Pode ser uma secção ou zona, desde que cumpra o objectivo de separar o caso suspeito das restantes pessoas”, lê-se na página da autoridade.
António Uva refere que é “fundamental” que todos saibam que local é esse e que este esteja bem sinalizado. “As pessoas vão adoecer, é normal, temos é de as isolar e quebrar cadeias de transmissão”, explica o professor. A autoridade da saúde diz que uma pessoa com sintomas deve permanecer na área de “isolamento”, com máscara cirúrgica, até ser feita a chamada para a Linha SNS24 e serem dadas novas orientações.
Que cuidados ter com portas, varões de escada e elevadores?
“Tudo o que seja comandado pelas nossas mãos, como é o caso das portas, varões de escada e elevadores, são zonas de risco”, diz António Uva.
De acordo com o especialista, ainda pouco se sabe sobre a transmissão do vírus através de superfícies. O que é dado como certo, no entanto, é que este é transmitido principalmente pelo contacto directo com gotículas respiratórias produzidas quando, por exemplo, uma pessoa infectada tosse, espirra ou fala, que podem ser inaladas ou pousar na boca, nariz ou olhos de pessoas que estão próximas. E, ainda assim, se o vírus estiver de facto nestas superfícies, este durará “pouco tempo activo” e dependerá do tipo de material do objecto. Além disso, a vida do vírus depende de vários outros factores como a temperatura ou a humidade.
“Cada vez que tocamos nessas superfícies, idealmente devíamos higienizá-las antes, com uma solução simples, um sabão ou água com lixívia. E o que as empresas devem fazer é apertar o ciclo de higienização dessas superfícies, ou seja, em vez de fazerem uma ou duas rondas por dia, fazerem duas vezes no período da manhã e outras duas no período da tarde, que já reduz muito a probabilidade de transmissão”, aconselha o especialista
Depois do contacto com estas superfícies, deve ser feita a lavagem das mãos ou, caso não seja possível, deve ser utilizada a solução alcoólica.
Devemos usar luvas? E máscara e viseira?
O especialista em saúde pública rejeita a utilização de luvas de uma forma generalizada pelos trabalhadores, até porque podem causar uma falsa sensação de segurança, mas sublinha, no entanto, que podem ser usadas em casos concretos como na recepção de encomendas.
Quanto às máscaras, o professor de saúde pública diz que devem ser usadas nos casos em que a distância de dois metros não possa ser mantida. “Toda a gente num escritório devia estar de máscara e não é para proteger só o próprio, é mais para salvaguardar o outro. Em áreas comuns pode até pecar por excesso, mas acho que se deve usar”, reforça.
De acordo com o Governo, a utilização de máscaras é obrigatória em transportes públicos e outros espaços fechados para os cidadãos maiores de dez anos. Quanto à utilização de viseira, a DGS reforça que “deve ser usada complementarmente com método barreira que permita proteger a boca e o nariz”.
Quem deve fornecer estes equipamentos?
A ACT diz que os patrões devem assegurar que os trabalhadores têm acesso aos equipamentos de protecção individual (EPI) adequados aos riscos profissionais e às funções que desempenham e que as instruções sobre a utilização de máscaras, luvas e outros EPI devem estar “acessíveis a todos”.
Que cuidados ter com as casas de banho?
“As instalações sanitárias não colocam grande problema porque parece que o vírus não se transmite pela via rota fecal-oral”, mas, ainda assim, António Uva diz que é “natural que nas casas de banho a conspurcação das superfícies seja mais provável do que fora dela”.
Além de recomendar que se reforcem as rotinas de limpeza, o professor diz que há medidas simples que se podem implementar para reduzir o contágio. “O ideal é usar toalhetes descartáveis para limpar as mãos, além do papel. Em vez de o caixote do lixo estar junto dos lavatórios, terá de passar a estar junto à porta de saída, para que a pessoa leve o seu toalhete, toque no puxador da porta e o descarte a seguir. Assim, não mexe sequer no puxador”, explica o especialista, que avisa que estes espaços também devem ser arejados o máximo possível.
E com os restantes espaços comuns?
Nas empresas e locais de trabalho, há objectos e superfícies que são utilizados por várias pessoas. É o caso das impressoras, mesas de almoço, frigoríficos, microondas ou mesmo alguns computadores. O professor da ENSP avança que a limpeza destes espaços também deve ser reforçada entre utilizações, mas vai mais longe. “Sou apologista que em determinados equipamentos o ideal é ter aquele papel de filme [papel de embrulho transparente]. Cada pessoa utiliza e quando acabar retira e lava as mãos. Se nos habituarmos, é muito simples de fazer, o problema é que tem de cair num automatismo que ainda não temos”, avança António Uva.
A DGS reforça que os ecrãs e os teclados devem ser limpos frequentemente, de preferência com “toalhetes de limpeza e desinfecção rápida à base de álcool ou outro desinfectante”.
No caso das empresas que têm refeitórios, o especialista diz que a ocupação tem de ser completamente diferente do que era. “Os horários das refeições terão de ser alargados para as pessoas não se encontrarem, com turnos”, explica.
O ar condicionado deve estar a funcionar?
Não há grandes pistas que apontem para que a aerossolização (pequenas partículas que permanecem suspensas no ar e que se podem dispersar por longas distâncias) seja uma via comum de transmissão do vírus. Ainda assim, há alguns cuidados a ter com estes aparelhos. “O ar condicionado não apresenta problemas se a sua manutenção for bem-feita e se se proceder a uma limpeza regular do aparelho”, aponta António Uva. “Se puder não usar estes aparelhos, é a melhor opção. Se tiver de os usar, o melhor é que sejam colocados em modo extracção, ou seja, só retira ar.”
Ainda assim, e quando possível, o ideal é abrir as janelas dos espaços. “Se puder abrir as janelas e a ventilação for natural, é excelente. E quanto melhor ventilar e iluminar o espaço, em termos de luz natural, melhor, porque o vírus vive melhor em espaços escuros e com temperaturas frias.”
Devem existir circuitos para entrar nas empresas?
Na visão de António Uva, não são necessários trajectos verdes e vermelhos para entrar nos espaços de trabalho, mas, se a empresa tiver várias portas, o ideal é que uma fique para as saídas e outra para as entradas. “Temos de reduzir o risco de as pessoas se cruzarem em espaços apertados”, diz.
As empresas podem aplicar um desfasamento de horários para que não existam pessoas a sair e a entrar ao mesmo tempo. “Se fizerem turnos colados numa grande fábrica de produção, onde existam dois ou três torniquetes na entrada, lógico que as pessoas se vão cruzar, algo que era evitável. Desfasar os horários em dez ou 15 minutos é mais eficaz do que ter duas portas separadas”, refere o professor.
As secretárias devem ser separadas?
“O ideal é ter uma circunferência de dois metros nas chamadas workstations, para o trabalhador não estar em contacto com o outro, algo que é muito complicado em muitos casos, como nos call centers, por exemplo, ou numa linha de montagem de peças”, relata António Uva. Além disso, o professor diz que se as empresas tiverem espaço suficiente para fazer este isolamento, talvez não precisem de fazer escalas de trabalho. De qualquer forma, deixa um aviso: “O melhor é não acumular muito material em cima das secretárias porque dificulta a sua higienização.”
Além disso, o perito diz que, em alguns casos, as empresas podem recorrer à marcação do distanciamento no chão, à volta das secretárias, porque “ajuda os trabalhadores a estarem mais atentos”.
Que cuidados ter com encomendas?
Depois de receber uma encomenda, a DGS aconselha a que se retire de imediato a embalagem exterior do produto (saco, caixa, ou papel de embrulho, por exemplo) para evitar o contacto com outras superfícies, e colocá-la no lixo. O próximo passo deverá ser fazer a higiene correcta das mãos com água e sabão ou com uma solução à base de álcool.
Já António Uva refere que no cartão e no papel o vírus vive “pouco tempo, horas no máximo”, daí que em alguns sítios até se faça quarentena de alguns objectos, como os livros. “A encomenda pode ser recebida de luvas, que deverão ser descartadas a seguir”, explica.
Que cuidados ter nos transportes públicos?
A ACT refere que, sempre que possível, deve dar-se prioridade aos transportes que melhor garantam o distanciamento físico adequado, para que se evitem ajuntamentos de pessoas. “Uma pessoa deve estar afastada de outra pelo menos dois metros quando se trate de ambiente fechado e de um metro quando se trate de ambiente aberto”, refere a autoridade.
Caso o trabalhador tenha de utilizar os transportes públicos, deverá, obrigatoriamente, utilizar máscara e fazer a higiene das mãos assim que sair do comboio, autocarro ou metro. A DGS recomenda ainda que se posicione de costas para outras pessoas, que vire a cara para o lado se alguém estiver a tossir à sua frente e ainda que peça à pessoa que o faça para um lenço ou para o braço. “Se o transporte estiver lotado pode, sempre que possível, aguardar pelo próximo”, diz a autoridade da saúde.
E nos carros da empresa?
No caso dos carros das empresas, a ACT recomenda que se evite as viagens de trabalho não essenciais. Nas viagens necessárias, e quando os veículos forem utilizados por mais do que uma pessoa, a autoridade diz que “deve ser observado o distanciamento possível e considerar a utilização de máscara, sobretudo nos casos em que não for possível limitar a lotação do veículo”.
“As empresas que tenham essa capacidade devem incentivar os trabalhadores a utilizar os meios de transporte da própria empresa, porque é muito mais fácil de gerir. É possível fazer pequenos circuitos para transportar alguns trabalhadores e para diminuir as cadeias de transmissão”, sugere, por sua vez, António Uva.
Deve ser efectuada medição de temperatura ao chegar à empresa?
Na opinião do especialista, cada trabalhador deve fazer a medição da temperatura de manhã e à noite com um termómetro, independentemente do que é pedido pela empresa na chegada ao local de trabalho. “O trabalhador deve tentar perceber se tem sintomas, principalmente tosse seca e febre e, se tiver algum dos dois, na dúvida não deve ir trabalhar e deve contactar os serviços de saúde”, diz António Uva.
As pausas para café/fumar devem acabar?
Na visão de António Uva, os trabalhadores devem evitar, para já, qualquer tipo de convívio que quebre as regras do distanciamento social, como os “ajuntamentos” para tomar café ou fumar. “Está fora de questão e já não tem que ver com a empresa, mas sim com o bom senso de cada trabalhador”, avança o professor. Já a ACT recomenda que a empresa defina diferentes horários para pausas dos trabalhadores.
E as reuniões de trabalho?
Apesar do regresso ao local de trabalho, António Uva afirma que as pessoas devem reunir-se através de meios digitais sempre que puderem. “Há empresas que fazem reuniões com várias pessoas durante o dia, se o puderem fazer por videoconferência não há necessidade de reunião presencial”, avança o especialista, dizendo ainda que o trabalhador deve preferir o telefone para muitos dos contactos nesta fase.
Também a ACT recomenda que se evitem reuniões, especialmente se o local de trabalho não dispuser de espaços que permitam garantir o necessário distanciamento físico.
Que cuidados deve ter quem trabalha no atendimento ao público?
No atendimento ao público, António Uva afirma que o mais adequado é existir uma barreira física entre o utente e o trabalhador, em acrílico, vidro ou, em último caso.
Além disso, o professor afirma que qualquer organismo deve providenciar máscaras aos clientes, caso estes não sejam portadores deste tipo de EPI. “Deve proibir-se a entrada de pessoas que não a usem, mas deve disponibilizar-se”, diz. Nos casos em que receber clientes seja essencial para o negócio, o perito apela à marcação prévia obrigatória, como já acontece com as consultas, para que não existam muitas pessoas nas “salas de espera ou nos corredores.”
E no caso de os clientes não poderem usar máscara?
Nos estabelecimentos de tratamentos de pele, cabeleireiros, barbeiros ou restauração, em que os clientes não podem usar máscara, a DGS diz que devem ser os colaboradores a fazê-lo e, sempre que houver contacto físico, “deve haver um reforço da higienização das mãos após o procedimento”.
E como deve proceder quem lida com dinheiro?
Apesar de referir que o dinheiro “muda de mãos centenas ou até milhares de vezes, encontrando-se entre os objectos que, se forem contaminados com vírus, podem servir de veículo de transmissão”, a DGS assegura que este não é uma forma de transmissão comum da covid-19.
Para quem lida com dinheiro, António Uva sugere que dê preferência aos meios digitais como o Multibanco, o MB Way ou outras formas de pagamento. “Também podem colocar o dinheiro que recebem de quarentena e só manuseá-lo algumas horas depois”, diz.