A antiga eficácia da palavra “cultura” evaporou-se. Muitas vezes, adquire até uma eficácia negativa, ganha o sentido de uma bandeira que desclassifica imediatamente as reivindicações feitas em seu nome. Os discursos que se enchem de “agentes culturais” e nomeiam o “sector da cultura” como se fosse uma região demarcada causam um enorme enfado e trazem o selo da nulidade. A “cultura” é uma máquina com uma infinita capacidade agregadora: não há nada mais expansivo que a esfera cultural. A palavra “cultura” tem uma plasticidade viscosa, uma vastíssima amplitude polissémica. Tanto abriga a lírica camoniana como o festival da canção, compreende tanto um colóquio para festejar o centenário de Ruben A. (que afinal teve de ser adiado), como uns divertimentos ligeiros, às vezes alarves, servidos pela televisão ou em streaming; é tanto a herança transmitida, o património, como o que se está a produzir no momento, ao sabor das contingências e em resposta aos mais efémeros tropismos. “Cultura” é o supremo “significante flutuante” do nosso tempo.
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