Covid-19: Infecções disparam na Indonésia, e o sistema de saúde pode não aguentar
Epidemiologistas estimam que cerca de 200 mil pessoas possam precisar de ser hospitalizadas após eventos religiosos que marcaram o fim do Ramadão. Falta de medidas de distanciamento social e poucos testes geram preocupações.
No início de Maio, a Indonésia registava menos de 12 mil casos de covid-19, com 865 mortes. Esta quinta-feira, o número de infectados aumentou para 24.538 e o de mortos para 1496 – mais 687 casos e 23 óbitos do que no dia anterior. Com um aumento galopante de casos, que pode disparar nas próximas semanas devido às celebrações do Eid al-Fitr no último fim-de-semana, e uma resposta tardia do Governo nas medidas de distanciamento social, os especialistas temem que o sistema de saúde do país não aguente.
A capital da Indonésia, Jacarta, a ilha de Java e as ilhas Molucas são algumas das regiões que geram maiores preocupações. Segundo as contas da Reuters, desde o início do mês, o número de casos na província de Java Oriental aumentou 300%, enquanto em Jacarta o aumento foi de 60%.
Na cidade de Surabaya, a segunda maior cidade do país, com mais de três milhões de habitantes, há relatos de que os hospitais já estão cheios e muitos doentes são mandados para trás quando procuram ajuda. Na região de Java Oriental, há vários focos de contágio activos, com origem em escolas religiosas e numa fábrica de tabaco, apesar de o número de casos na região ser pouco mais de quatro mil.
No entanto, os epidemiologistas temem que já seja tarde para parar o contágio. Segundo o New York Times, num estudo aleatório, um em cada dez habitantes de Surabaya revelou ter anticorpos para a covid-19, o que pode ser indício de transmissão descontrolada. “As infecções em massa já aconteceram”, garantiu Dono Widiatmoko, professor de saúde pública na Universidade de Derby, no Reino Unido, e membro da Associação de Saúde Pública da Indonésia. “Isto significa que é demasiado tarde.”
Entre os epidemiologistas indonésios, existe a preocupação generalizada de que o sistema de saúde não consiga aguentar um contágio em larga escala e a grande velocidade, à semelhança do que aconteceu nos Estados Unidos ou noutros países europeus, como Itália ou Reino Unido.
Acresce que mais metade das mortes causadas por covid-19 na Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo, verificaram-se em pessoas com menos de 60 anos, contrariamente ao que acontece nos EUA e em Portugal, em que a maioria dos óbitos se verifica nas faixas etárias mais avançadas, sobretudo a partir dos 80 anos, o que indicia uma falta de acesso a cuidados de saúde. Além disso, a testagem na Indonésia é uma das mais baixas do mundo – 967 por cada milhão de habitantes. Muitos indonésios, assintomáticos ou com sintomas ligeiros, podem estar a espalhar ao vírus, alertam os especialistas.
O pior ainda está para vir
O mês de Junho poderá ser um ponto de ruptura no país. No último fim-de-semana, milhões de indonésios juntaram-se em vários pontos da Indonésia, o país com maior número de muçulmanos no mundo, para celebrar o Eid al-Fitr, a celebração que marca o fim do jejum e do Ramadão, ignorando as medidas de distanciamento social, perante a inacção do Governo. Os epidemiologistas da Universidade da Indonésia prevêem que até 200 mil pessoas possam precisar de ser hospitalizados por terem contraído o vírus nas actividades relacionadas com o Ramadão.
“O desastre ainda está para vir”, afirmou ao New York Times Pandu Riono, epidemiologista e docente na Universidade da Indonésia. “Mesmo depois de vários meses, continuamos a ter líderes que acreditam em milagres em vez da ciência. Continuamos a ter políticas terríveis”, lamentou.
As críticas ao Governo e ao Presidente Joko Widodo não são de agora. Nos primeiros meses da pandemia, enquanto países vizinhos como a Malásia ou Singapura iam reportando casos de infecção e tomando medidas de confinamento, a Indonésia desvalorizou a gravidade do problema e introduziu tardiamente algumas medidas que, contudo, podem não ter sido suficientes.
No início desta semana, Joko Widodo anunciou uma reabertura parcial da economia do país e, para garantir que o uso de máscara é generalizado e que as medidas de distanciamento social são cumpridas, destacou mais de 300 mil oficiais da polícia e do exército para patrulharem as ruas.