O Grito gosta da distância social: humidade da respiração pode contribuir para degradação do quadro

Cloretos que exalamos e humidade que produzimos quando respiramos são prejudiciais para a conservação das cores do quadro, aponta estudo científico. Museu Munch planeia aplicar as recomendações da investigação em “futuros trabalhos de conservação e exposição” da obra.

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Edvard Munch terá pintado com amarelo "impuro" que pode desvanecer-se consoante a humidade DR

No início de Fevereiro, dávamos conta de que as cores da obra-prima do desespero estavam a desaparecer: começavam a transformar-se num branco-marfim as pinceladas amarelas de Edvard Munch no pôr-do-sol e na figura aterrorizada d’O Grito (1910). Este mês, uma equipa internacional de cientistas, que tem utilizado tecnologia de raios X para identificar o porquê deste fenómeno e evitar mais alterações, descobriu que o cloreto de cádmio presente no amarelo “impuro” que o pintor norueguês usou pode desvanecer-se consoante a humidade — incluindo quando as pessoas respiram para cima do quadro.

Num estudo publicado na revista Science Advances, os investigadores sublinham que, em vez do sulfeto de cádmio puro — que forma pigmentos termicamente estáveis e, dependendo das adições de componentes, produz cores que variam do vermelho profundo ao amarelo — a que Munch deveria ter recorrido, terão sido utilizadas soluções “sujas”, com cloretos, um composto que não é orgânico. “Não acho que tenha sido intencional”, explica o professor Koen Janssens, da Universidade de Antuérpia, citado pelo jornal britânico The Guardian. “Em 1910, já tínhamos uma indústria a produzir pigmentos químicos, mas isso não quer dizer que eles tivessem a qualidade de controlo que temos hoje”, assinala.

Inicialmente, os cientistas envolvidos neste trabalho de pesquisa, que reuniu uma equipa composta por membros de países como Bélgica, Brasil, Estados Unidos e Itália, começaram por testar os possíveis efeitos da exposição d’O Grito à luz. “Ao que parece”, apontou o professor Janssens, “ela não é prejudicial, pelo que não faz sentido reduzirmos os níveis de luminosidade para além dos normais” em contexto de exposição. Essencial, sublinha, é “isolar o público do quadro ou o quadro do público”, de maneira a que os visitantes possam apreciar a obra “sem que respirem para cima da sua superfície”. Isto porque, quando respiramos, “produzimos humidade e exalamos cloretos”, prejudiciais para a conservação das cores.

O Grito faz parte da colecção do Museu Munch, em Oslo, e tem sido alvo de grande escrutínio laboratorial desde que foi roubado em 2004 (a obra acabou por ser recuperada em 2006, regressando com danos causados pelo contacto com água no canto inferior esquerdo). Segundo o estudo recentemente divulgado, a pintura tem passado grande parte do seu tempo guardada dentro de armazéns, em salas com 50% de humidade e uma temperatura à volta de 18 graus Celsius. Os autores da análise recomendam que os responsáveis pela preservação encontrem espaços com percentagens de humidade relativa não maiores do que 45%.

Jennifer Mass, presidente do laboratório de Análise Científica de Belas-Artes no Harlem, tinha anteriormente explicado ao New York Times que estavam a desenvolver-se nanocristais na boca da personagem principal, no céu e no rio. Desde a década de 80 do século XIX até aos anos 20 do século XX, estima-se que 20% das obras em que tenha sido utilizado amarelo de cádmio estejam a passar por este processo de desvanecimento.

O Museu Munch, que está prestes a mudar de instalações e ainda este ano pretende retomar a actividade, avançou que está a considerar “aplicar as recomendações deste estudo em futuros trabalhos de conservação e exposição d’O Grito”.

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