Explosões rápidas de rádio ajudam a detectar “matéria em falta” no Universo

Equipa internacional de cientistas conseguiu detectar directamente a metade da matéria normal que estava “desaparecida” no Universo.

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Explosões rápidas de rádio foram usadas para se detectar a matéria normal "desaparecida" ICRAR

O Universo ainda tem muitos casos de mistérios por resolver e um deles é o da “matéria em falta” – metade da matéria normal que os físicos designam de matéria bariónica e que não se tinha conseguido contabilizar nos censos que se faziam ao cosmos. Agora, houve avanços neste caso: através de explosões rápidas de rádio, conseguiu-se detectar directamente essa matéria desaparecida. Os resultados desta investigação são anunciados esta semana na revista científica Nature.  

A matéria em questão neste estudo é matéria normal, como a que compõe o nosso corpo, a Terra, os outros planetas, as estrelas, e está na tabela periódica. Os físicos referem-se a ela como matéria bariónica, porque os bariões são o seu principal constituinte – os protões e neutrões que (juntamente com os electrões) constituem os átomos, segundo um comunicado sobre o trabalho. A equipa destaca ainda que, se queremos saber como os elementos constitutivos do Universo se unem, precisamos de saber como se distribuem pelo cosmos.

Mas o que é afinal a matéria em falta? Xavier Prochaska, cientista do Observatório Lick da Universidade da Califórnia e um dos autores do trabalho, começa por dizer ao PÚBLICO que se tem uma estimativa exacta da matéria normal. A partir de estudos com dados do início do Universo, julgava-se que correspondia a 5% da massa e energia do Universo. A restante percentagem pertence à matéria escura e à energia escura.

“Depois, quando fizemos um censo da matéria normal no Universo actual em que contámos galáxias, estrelas e gases, fomos apenas capazes de contar metade desses 5%. A metade restante estava em falta [como a que está entre as galáxias]”, conta Xavier Prochaska. A equipa acrescenta que esta matéria não estava literalmente em falta e que os astrofísicos sabiam onde estaria, mas não a conseguiam ver. “Isto representava um problema: como é que se prova que algo está presente quando não se consegue ver?”, destaca-se no comunicado. Portanto, estava a assim lançado o desafio para se contar a matéria bariónica “em falta”.

Agora, uma equipa internacional de cientistas conseguiu detectar directamente a matéria em falta ao usar as explosões rápidas de rádio (FRB, na sigla em inglês), que são emissões de rádio que duram poucos milissegundos e que têm uma origem astronómica distante. Difíceis de detectar, algumas dessas explosões repetem-se várias vezes, mas a maioria só ocorre uma vez. Em 2007, detectou-se pela primeira vez uma explosão rápida de rádio. As explosões rápidas de rádio deste estudo foram descobertas pelo Australian Square Kilometer Array Pathfinder (ASKAP).

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A matéria em falta foi detectada através da combinação dos valores de dispersão registados nas explosões rápidas de rádio e dos desvios para o vermelho ICRAR/CSIRO/Alex Cherney

Jean-Pierre Macquart, da Universidade de Curtin (na Austrália) e líder do trabalho, refere no comunicado que as FRB funcionaram como uma “estação de pesagem cósmica”. Basicamente, quando as explosões passavam pela matéria em falta, estas diminuíam a sua velocidade. Depois, a matéria foi detectada através da combinação dos valores de dispersão registados nas FRB e dos desvios para o vermelho a partir das observações da galáxia que aloja essas explosões.

“A radiação das explosões rápidas de rádio espalha-se pela matéria em falta da mesma forma que se vêem as cores da luz solar ao serem separadas num prisma”, compara no comunicado Jean-Pierre Macquart. “Agora conseguimos medir as distâncias de explosões rápidas de rádio suficientes para determinarmos a densidade do Universo. Foram necessárias apenas seis para encontrarmos a matéria em falta.”

“É inquestionavelmente entusiasmante”

Ao usarem essas explosões, a equipa calculou a densidade da matéria normal ao longo de uma grande faixa do Universo local (as imediações do Universo mais próximas de nós) e depois extrapolou para os resultados para o restante cosmos. Desta forma, percebeu-se que a equipa tinha matéria normal suficiente para colmatar a metade que faltava, conforme as previsões teóricas. Por agora, comprovou-se directamente a presença da matéria em falta, mas não se conseguiu ainda obter a sua localização exacta.

Xavier Prochaska destaca que esta foi a primeira vez que se detectou directamente a matéria em falta. “Já havia muitas reivindicações anteriores [para essa detecção], mas os astrónomos concordam que todas eram indirectas ou altamente incertas. É a primeira vez que a detectamos de forma inequívoca.” Quanto à importância destes resultados, o cientista refere que, por um lado, resolve um puzzle de uma medida fundamental da cosmologia. Por outro lado, permite agora ter a oportunidade de determinar como é que a matéria em falta está distribuída pelo Universo.

“Usar as FRB como uma sonda tem sido uma perspectiva interessante há já algum tempo”, assinalou ao site da revista Science Paul Scholz, astrónomo da Universidade de Toronto, no Canadá, e que não esteve envolvido neste trabalho. “Agora que se conseguiu obter uma amostra local de FRB, estamos mesmo a começar a consegui-lo. É inquestionavelmente entusiasmante.”

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