Ilustração
A explicação dos pássaros de Álvaro Domingues, um geógrafo em confinamento
A "passarada" de Álvaro Domingues já chegou a um impressionante bando de 50 aves. Todas pintadas à mão, desde o início do confinamento.
Começou com uma folha de papel em branco, lápis de muitas cores, dois pares de olhos atentos e uma ideia para entreter a neta em casa: "Faz-lhe um pássaro." Esse primeiro "canário abstracto", esboçado para mostrar o bico e as asas, não esvoaça entre os desenhos que preencheram as novas rotinas de confinamento do geógrafo Álvaro Domingues.
Desde essa tentativa no início do período de confinamento, a "passarada", como o autor de Volta a Portugal lhes chama, chegou a um impressionante bando de 50 aves, "relativamente pequenas, da fauna nacional". Via-as pela janela, durante caminhadas ou no ecrã do computador, em sites de ornitólogos e observadores de aves ou nos portefólios de quem espera, muito quieto, para as conseguir fotografar antes de levantarem voo. Outras, ia buscá-las à infância — "em casa havia sempre pintassilgos a cantar".
Pintadas a aguarela, e depois a pastel, tinta-da-china ou lápis de carvão, tornaram-se também aves mensageiras de conversas entre amigos, colegas e leitores nas redes sociais separados por um novo vírus. "Até que se tornou numa obsessão, e essa é a parte pior. Porque, de repente, já não tinha vontade nenhuma para desenhar pássaros", ri-se.
"No outro dia estive a ler um artigo de um investigador de Harvard que começou a desenhar coisas à volta dele, em casa. Desde o caixote do lixo, às coisas que estão em cima da mesa, o que está na varanda, como forma de descontracção", conta. Mas o que fazer quando dezenas de espécies não param de lhe cantar ao ouvido, ao mesmo tempo que a realidade volta para as calar? "Agora, estou a ver se consigo desconfiná-los da minha cabeça", ironiza. Não tinha pensado nisso no começo, partilha, mas poderá haver uma explicação para o vício: "De facto, quando pensamos na liberdade, são sempre pássaros."