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Covid-19: funerárias mexicanas perante cenário “horrível” nunca visto

O México regista mais de 71 mil casos de covid-19 e cerca de 7600 mortos. No entanto, os dados analisados pela Reuters junto de funerárias e crematórios indicam que o número de mortes, particularmente na Cidade do México, pode ser muito mais elevado.

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Os dados das funerárias e as certidões de óbito contradizem os números do Governo Reuters/EDGARD GARRIDO
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Agentes funerários relatam dificuldades em encontrar crematórios Reuters/EDGARD GARRIDO
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Medidas de segurança foram reforçadas devido à covid-19 Reuters/EDGARD GARRIDO
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Funcionário do Grupo Gayosso, uma das maiores cadeias funerárias no país Reuters/EDGARD GARRIDO
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Fumo negra sai das chaminés dos crematórios, devido às camadas extra de plástico nos corpos das vítimas de covid-19 Reuters/GUSTAVO GRAF MALDONADO

Tal como muitas pessoas em todo o mundo, Salvador Ascencio, proprietário de uma funerária mexicana, inicialmente, não acreditava que o surto de coronavírus pudesse vir a ser tão grave.

Depois, começaram a chegar os telefonemas de familiares em luto.

Durante os primeiros 11 dias de Maio, a sua pequena funerária de uma parte degradada da Cidade do México recebeu 30 corpos, um número quatro vezes superior nos serviços funerários comparativamente ao mesmo período de Maio do ano passado.

“Nunca vivi uma situação como esta”, disse Ascencio, de 52 anos, rodeado por brilhantes caixões de madeira na sala apertada do negócio da família que opera desde 1973.

“A verdade é que aquilo que estamos a viver é horrível.”

A Reuters analisou 18 funerárias e crematórias em toda a capital, incluindo algumas pertencentes às duas maiores cadeias do México. Todas relataram um aumento na procura pelos seus serviços durante a pandemia.

As evidências sugerem que as estatísticas oficiais no México podem estar a subestimar o verdadeiro número de mortos por covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.

O Governo do México reconheceu que o número real de mortes é superior aos números oficiais, apesar de afirmar que tem ferramentas limitadas para medir com precisão os números reais, uma vez que tem a menor taxa de testes realizados nos países da OCDE.

Hugo Lopez-Gatell, rosto do combate ao coronavírus no México e vice-ministro da Saúde, no início deste mês, em resposta aos relatos dos media que diziam que o México subestimava as mortes, disse que muitas pessoas chegavam aos hospitais demasiado doentes para que pudessem ser feitos um testes laboratoriais atempados.

O Governo federal também reconheceu que, por vezes, há um atraso na inclusão nos números oficiais das mortes causadas por coronavírus devido aos atrasos nas certidões de óbito e no processamento da informação dos hospitais e das morgues.

Para dificultar os esforços na estimativa do verdadeiro impacto da pandemia, o México não tem estatísticas em tempo real sobre o número de mortos no país: os dados de mortalidade mais recentes foram publicados em 2018.

Isto torna difícil calcular a “mortalidade excessiva”: um termo utilizado por epidemiologistas para estimar o aumento de mortes, comparando com as condições normais, atribuível a uma situação de crise de saúde pública.

Com base na informação de 13 funerárias na capital que pertencem a duas das maiores cadeias funerárias do México, o excesso de mortalidade na primeira semana de Maio pode ser 2.5 vezes superior aos números oficiais do Governo durante esse mesmo período, de acordo com os cálculos da Reuters.

Embora a taxa de mortalidade possa variar de acordo com os bairros e com o tempo, o especialista em doenças infecciosas Alejandro Macias, académico e comissário nacional do México durante a pandemia de gripe suína H1N1, analisou os dados e disse que o cálculo que aponta para o dobro das mortes anunciadas parecia correcto.

“Nestes tempos, dizer que é o dobro não me parece excessivo”, afirmou Macias, acrescentando que os números ainda podem “ser um pouco maiores”.

Uma das cadeias funerárias, a J. Garcia Lopez, disse à Reuters que registou um aumento de 40% nos serviços funerários no início de Maio na Cidade do México comparativamente ao último ano, e que estava a lidar com uma média de 50 mortos por dia. A outra cadeia, a Grupo Gayosso, registou um aumento de 70%.

Tendo por base os dados mais conservadores da funerária J. Garcia Lopez, um aumento de 40% no número de mortes equivaleria a uma média de 273 mortes diárias na capital na primeira semana de Maio – o equivalente a 78 mortes adicionais por dia acima da média de 2016-2018.

Isso seria aproximadamente 2.5 vezes mais do que número oficial de mortes causadas por covid-19 na Cidade do México publicadas pelo Governo, a 18 de Maio, que davam conta de 32 mortos por dia na primeira semana de Maio.

O excesso de mortalidade é um indicador reconhecido para determinar o impacto da pandemia, afirmou Alejandro  Macia, acrescentando que a “severa subestimação” do México quanto ao número de mortos não indica uma conspiração do Governo para suprimir números. “É uma consequência de não se fazer testes suficientes”, disse Macias.

Os dados das funerárias e das certidões de óbito contradizem o número oficial de mortes causadas pelo coronavírus noutros países, incluindo Itália e Indonésia.

Apesar de a estimativa da Reuters ser apenas uma aproximação, estava em linha com uma análise às certidões de óbito feita pela organização sem fins lucrativos Mexicanos contra a Corrupção e a Impunidade (MCCI, na sigla em língua espanhola) num relatório publicado na semana passada que dava conta de três vezes mais mortes confirmadas, prováveis ou suspeitas por covid-19.

Questionada pela Reuters sobre estes dados e sobre a possibilidade de o número de mortes poder ser significativamente maior que os dados oficiais, um porta-voz do Governo da Cidade do México, Ivan Escalante, disse que uma comissão científica criada pelas autoridades locais para trazer mais transparência quanto ao número de mortos vai determinar isso mesmo, examinando casos suspeitos.

Oficialmente, a Cidade do México contabiliza 1963 mortos.

Morgues sobrelotadas

No crematório Izaz Cremaciones, localizado em Iztapalapa, no epicentro do surto na Cidade do México, o fumo negro sai pelas chaminés sempre que uma vítima de coronavírus é cremada. O fumo espesso deve-se às camadas extra de plástico enroladas nos corpos, disseram os trabalhadores.

A Izaz Cremaciones cremou 239 pessoas nos primeiros 11 dias de Maio, comparativamente às 188 pessoas que foram cremadas durante Maio do ano passado. O aumento deveu-se, em parte, ao facto de o Governo ter recomendado a cremação a todos os casos suspeitos de morte por covid-19. A empresa introduziu turnos de 24 horas para operar nos seus dois fornos crematórios.

Mais de um terço das cremações na Izaz Cremaciones no início do mês foram casos confirmados ou “prováveis” de covid-19, de acordo com as certidões de óbito do registo da crematória.

A funerária J. Lopez Garcia também disse que mais de um terço dos casos diários no mesmo período eram “covid-19 e/ou pneumonia atípica”.

Os trabalhadores que transportam os corpos das vítimas de coronavírus nos carros funerários para os crematórios da capital assumem a aparência de astronautas, envoltos em fatos de protecção e máscaras de gás.

“Tivemos de ligar a quase sete crematórios para encontrar espaço”, disse Franscico Juarez, cuja família gere uma funerária local na Cidade do México, no lado oposto à Izaz Cremaciones.

“É algo que nunca vi, os hospitais estão cheios”, afirmou. “As áreas onde estão os corpos estão completamente cheias.”

O aumento na procura por serviços funerários coincide com muitos hospitais públicos sobrelotados. No início da semana passada, 47 dos 64 hospitais da da área metropolitana da Cidade do México estavam cheios e 13 estavam com a capacidade quase máxima, segundo dados do Governo.

Os números do Grupo Gayosso, que opera 21 funerárias em 13 cidades, apontam também para o aumento de mortes causas por coronavírus noutros locais do país.

No Norte do país, nas cidades fronteiriças de Tijuana e Mexicali, os números mais que duplicaram, disse Alejandro Sosa, director de operações do grupo.

Salvador Ascencio diz que continua a receber chamadas de pessoas que suspeitam que os seus familiares tenham morrido devido ao coronavírus.

Se o número de mortos continuar a aumentar, afirma, não será capaz de lidar com todos os casos, porque a cidade não tem locais suficientes para cremar todos os corpos das vítimas.

“Infelizmente, não há fornos suficientes”, afirmou Ascencio.