Cátia é guia-intérprete e já reinventou o seu trabalho: faz visitas guiadas virtuais

Trabalhos cancelados até final de Junho, levaram Cátia Garcia, guia-intérprete, a repensar o futuro. O que poderia fazer quando o mundo se encerra? Tours virtuais, decidiu, especialmente para turistas que não conseguem vir a Portugal agora. Para os portugueses, passeios a pé, porque todos querem “esticar as pernas, apanhar sol, falar no jardim”.

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A última tour foi pelo Palácio da Pena, em Sintra, pelo ecrã do computador Miguel Manso

A última tour que Cátia Garcia fez foi a um casal norte-americano. Foram à Pena: visitaram o palácio, o parque, o Chalet da Condessa. Cátia estava em Lisboa, em sua casa; eles na sua casa estavam, em Nova Iorque. “Já tinham sido clientes meus”, conta a guia-intérprete, “quando estiveram em Portugal, não tivemos tempo de entrar no Palácio da Pena”. Não precisaram de voltar. “Fomos mantendo contacto, enviando os parabéns, desejando boas festas, essa situações, assim”. Quando começou a pandemia, enviaram um e-mail a Cátia, perguntando-lhe como estava. Cátia estava sem trabalho e a buscar alternativas às suas visitas guiadas “presenciais”.

“Frequentei muitos webinars de turismo, internacionais, também, e falou-se muito dos tours virtuais”, diz, “a ideia de que enquanto estamos em casa há sempre alguém que quer saber mais sobre um bairro, uma cidade, um país”. Falou-lhes dos tours virtuais e eles pediram-lhe para fazer o passeio que lhes faltou há três anos, quando estiveram em Portugal num evento da empresa do marido, e, no programa que misturava trabalho e lazer, tinham feito visitas por Lisboa, provas de vinho em Azeitão e um dia em Sintra que “foi muito corrido”.

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Cátia Garcia e o seu novo projecto DR

Estiveram “a passear durante uma hora” - “gostaram muito e disseram que esperavam vir ver ao vivo pois era magnífico”. Por agora, viram através da plataforma Zoom - à distância de um monitor de computador e conduzidos por uma profissional, com ajuda de fotografias e do recurso ao Google Earth. “Como é conversa privada, é giro. As pessoas têm tempo para perguntar o que querem e, muitas vezes, num grupo de 40 não conseguem”, diz Cátia. Lisboa e Sintra são o seu território de eleição, mas em breve irá acrescentar novos “destinos” à sua Virtual Private Tour, que pode ser feita à medida, com duração de uma hora e preço único, não importa quantas pessoas estejam no grupo privado.

Há, ainda, outra vertente nestas tours, os itinerários que Cátia prepara para viagens futuras. E que já teve interessados, duas famílias indianas, de Goa. “Viriam agora em Junho, mas cancelaram tudo.” Começaram a conversar sobre Lisboa e acabaram a construir um passeio por Portugal. “Falávamos de tudo, características do país, história, gastronomia”, conta Cátia. Descobriram-na pelo Instagram onde divulga o seu Tour Vegan de Lisboa. “Eu sou vegetariana, o meu marido vegan e estamos a criar a nossa filha no veganismo”, conta, “estou bem dentro disso tudo”. Funciona também como um “serviço concierge vegan em Portugal”, descreve, e atrai grupos maiores. “Tinha organizado um retiro vegan com uma empresa suíça. Uma volta aqui por Lisboa, Sintra, a margem Sul, com chef para cozinhar-lhes, restaurantes, vinho vegan…” Por agora, não há cancelamento.

“Ando a tentar reinventar o que faço”, explica Cátia, 40 anos, guia-intérprete nacional certificada, como faz questão de sublinhar, desde 2001, que sempre trabalhou para agências - até ao “arraso da pandemia”. No final de Fevereiro começaram a chegar os primeiros e-mails a cancelar serviços. Entrou Março e numa semana tudo foi cancelado até ao final de Junho. Agora, começam a chegar os cancelamentos para Julho e Agosto. “Creio que a incerteza no tráfego aéreo influencia bastante”, reflecte, já que em Abril até teve reagendamentos para Setembro, que começam também a ser cancelados. “Estamos a imaginar que até Outubro, Novembro, não haja grande retoma.”

Por isso, no dia da reabertura dos museus, a 18 de Maio, surgiu uma nova tour, “Um museu por dia”, que já é meio caminho andado neste confinamento. Pode fazer-se virtualmente, mas a ideia principal é fazê-lo “ao vivo”, “agora que os portugueses já podem sair de casa”. Há permissão para visitas guiadas nos museus, com grupos (o número de pessoas varia em cada instituição), durante uma hora. “Uma das novas regras é não ficar mais de uma hora dentro do museu”, nota Cátia, “por isso, no final, dou mais 30 minutos, já na rua, mas tirar dúvidas”. Ainda não teve nenhum pedido de visita, mas teve feedback positivo quando apresentou o projecto num dos “lives” na sua conta de Instagram. “Convidei uma colega e falámos das regras dos diferentes museus. A minha conta não é de milhares de seguidores, mas tive muita gente a assistir e a deixar mensagens positivas”, afirma.

Os portugueses são a aposta de Cátia Garcia para os próximos meses. “É preciso mostrar aos portugueses que um guia é uma mais-valia. Normalmente pensam que é um chato, a contar muita história ou a inventar muito”, reconhece, embora, continua, “quando vemos portugueses em grupos internacionais a reacção é muito boa, dizem coisas como ‘passo por aqui tantas vezes e nunca pensei, nunca reparei’”.

E, como depois de meses de confinamento crê que “as pessoas estão saturadas, querem sair, mesmo aqueles que já conhecem a cidade”, vai investir mais no projecto “This is Lisbon Walking Tours”, que mantém com outras duas colegas (entre elas dominam inglês, francês, alemão, espanhol, italiano e hebraico). Quando foi criado, há uns anos atrás, os principais clientes eram estrangeiros, reconhece, e uma ou outra empresa portuguesa que oferecia as visitas aos trabalhadores. Por estes dias, acredita que haja mais locais a procurar, como mais um pretexto para “esticar as pernas, apanhar sol, falar no jardim” - há “tours definidos”, mas há tours à medida de cada cliente: “como somos guias nacionais, tanto fazemos algo como as ‘vilas operárias da Graça’, como vamos ao Palácio de Queluz”.

Como muitos outros projectos “pessoais” de muitos guias, este tinha vindo a ser subalternizado nos últimos anos. “Nos últimos anos foi tão grande o boom [do turismo], era tanto o trabalho para as agências, que não tínhamos tempo para projectos individuais”, conta. “Agora, recebemos e-mails do sindicato e da associação a encorajarem-nos a tentar criar os nossos passeios para passar esta fase.”

Diz que quem tinha projectos de trekking, hiking, qualquer coisa pedestre, está a retomar. E tal pode ser avaliado nas redes sociais, ainda que muitos guias oficiais, diz, “só se comecem a mexer nelas agora” (ao contrário, nota, “dos guias não oficiais, que há muito já perceberam que o futuro não pode depender de agências: vê-se agora, se elas vão abaixo, nós também vamos”). Ela própria é activa nas redes sociais, no blogue A Teia da Guia, Facebook, Youtube e, particularmente, no Instagram. É aqui que a cada segunda-feira faz um live em que convida colegas para falarem dos seus projectos (na próxima, 25 de Maio, será uma representante do projecto Passeios Literários) - até porque acredita que, ainda mais a partir de agora, vamos “viver de partilhas”.

Por enquanto, Cátia, “la petite sardine”, como turistas franceses a apelidaram (já percebeu que estes gostam muito do provérbio “a mulher e a sardinha quer-se pequenina” - “riem-se sempre mas é algo que, por exemplo, que não contaria aos alemães”, nota - e como ela própria é “pequenina” ganhou a alcunha que adopta no Instagram), continua à espera dos sucessores da sua última visita “real”, um casal alemão em Lisboa, em Fevereiro.

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