Fumaça apresenta alternativas aos 15 milhões de euros: “O actual modelo de financiamento está esgotado”
O apoio à comunicação social através do pagamento adiantado de publicidade institucional deixa excluídos alguns projectos de jornalismo, como é o caso do Fumaça. O PÚBLICO conversou com o director do projecto, que já apresentou ao Ministério da Cultura algumas ideias de financiamento alternativas.
O modelo de apoio do Estado ao sector da comunicação social gerou críticas no sector e fora dele. Os critérios de distribuição do pagamento adiantado de 15 milhões de euros através de publicidade institucional não explicam todas as condições e fórmulas de cálculo e deixam de fora alguns órgãos de comunicação social, como é o caso do Fumaça, um premiado projecto de jornalismo exclusivamente financiado por leitores e bolsas, sem publicidade. Em conversa com o PÚBLICO, Pedro Miguel Santos, director do Fumaça, contra-argumenta que o modelo de financiamento publicitário está esgotado e aponta as alternativas para apoiar o sector que estão a ser preparadas para entregar ao Ministério da Cultura.
O projecto nasceu em 2016, mas o arquivo de prémios já é longo: dos prémios Gazeta ao Podcast do Ano, o Fumaça soma distinções no sector. Ainda assim, é um dos órgãos excluídos do apoio ao sector dos media, uma vez que não está contemplado na Lei da Publicidade Institucional.
Para Pedro Miguel Santos, um dos problemas da resposta do Governo às dificuldades do sector por causa da pandemia covid-19 foi ter sido anunciada como um apoio extraordinário, quando não o é. “No limite não é nenhum apoio. O Estado tem um conjunto de obrigações de publicidade institucional. O que fez foi adiantá-las”, nota. “Contra isso, nada contra.” Mas a resposta “foi mal comunicada, porque não é um apoio extraordinário à semelhança do que tiveram outros sectores e empresas”, vinca, acrescentando que a ideia foi vendida de uma forma propagandística”, considera, em conversa telefónica.
Para perceber os critérios da resposta do Governo e para propor modelos alternativos, Pedro Miguel Santos reuniu-se com o secretário de Estado que tutela a pasta dos media, Nuno Artur Silva, há cerca de uma semana. “Tivemos uma reunião com o secretário de Estado. Nós e a Divergente. Queríamos pedir esclarecimentos sobre os critérios e a lógica do que estava a acontecer com estes apoios, bem como perceber porque que é que meios que não têm modelos de negócio baseados em publicidade estavam completamente discriminamos”, conta.
À procura de alternativas
O director do Fumaça ouviu a explicação que lhe foi dada por Nuno Artur Silva, mas insistiu em apresentar alternativas. “Percebemos que esta resposta foi um ‘penso rápido’. Era preciso uma resposta rápida e esta solução permitiu partir de uma lei que já existia, em vez de criar uma nova lei, o que seria um processo mais demorado. Serviu para suprir algumas necessidades mais imediatas”, nomeadamente para os órgãos em papel, que “perderam vendas na banca”, com o encerramento de postos de venda devido à covid-19.
No entanto, é preciso discutir alternativas de financiamento, quer a curto prazo, quer numa estratégia mais estrutural. Por isso, o Fumaça está a trabalhar num conjunto de propostas que deverá entregar ao Ministério da Cultura nos próximos dias, desta vez formalmente. Mas identifica abertura por parte do Governo para estudar outras soluções.
“O modelo de financiamento da comunicação social através da publicidade está esgotado”, considera. Mas, “por muito que um jornal não tenha uma soma de lucro que possa ser distribuída pelos accionistas, a informação e o valor maior que trazem” justifica a existência destes órgãos de comunicação social, argumenta Pedro Miguel Santos. É também por causa desse serviço que o Fumaça defende um modelo de jornalismo “de acesso público”, o que exige apoios que sustentem o sector.
“Nenhum grande órgão vive só do jornalismo que faz. As televisões usam o entretenimento para financiar a informação, outros jornais têm linhas editoriais mais sensacionalistas ou vendem produtos associados”, destaca. Inevitavelmente, “sempre que se argumenta que é preciso continuar este modelo, fica de fora a análise de que este modelo que se defende não é realista há muitos anos”, sublinha.
Em alternativa, o Fumaça propõe modelos de incentivos públicos semelhantes ao que existe com a Direcção-Geral das Artes, financiando projectos específicos, como já o faz a Fundação Calouste Gulbenkian, bem como subsídios a longo prazo para jornalistas ou entidades cujo fim último não deve ser o lucro.
“Se acontece na Cultura, não vejo problema que aconteça no jornalismo, com a premissa de que quem o fizesse, não poderia ter fins lucrativos, como é o caso do Fumaça e Divergente”, sugere, ressalvando que tal não deverá, no entanto, funcionar numa lógica de exploração e que, sem lucros, a empresa deve garantir o pagamento de salários em linha com o mercado e sem falsos recibos verdes.
Pedro Miguel Santos desvia os holofotes para os meios regionais e locais que estão “sedentos de apoio e que fazem um trabalho importantíssimo nas comunidades” e que devem ser alvos de uma reconversão para um estatuto de utilidade pública. “Há um sem número de instituições que têm o estatuto de utilidade pública”, exemplifica, propondo a criação de uma figura jurídica que garanta, por exemplo, aplicar benefícios fiscais que assegurem a estrutura necessária ao funcionamento destes órgãos.