Europa deve preparar-se para uma segunda vaga de covid-19, alerta responsável pela resposta europeia à pandemia
O que resta saber é quando irá começar a nova vaga e qual será a sua dimensão, garante a directora do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças.
Não é a primeira a dizê-lo, mas a directora do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC), uma agência da União Europeia (UE) responsável por aconselhar os governos relativamente ao controlo de doenças como a covid-19, alerta que a Europa deve preparar-se para enfrentar uma segunda onda de infecções pelo novo coronavírus.
O que resta saber é quando irá começar a nova vaga e qual será a sua dimensão. “A questão é quando e quão grande, essa é a questão na minha opinião”, afirma Andrea Ammon, em entrevista exclusiva ao diário britânico Guardian.
“Olhando para as características do vírus, para aquilo que agora surge dos diferentes países em termos de imunidade da população — que não é assim tão entusiasmante, entre 2% e 14%, deixando ainda 85% a 90% da população susceptível —, [percebe-se que] o vírus está entre nós, a circular muito mais do que em Janeiro e Fevereiro. Não quero traçar um cenário apocalíptico, mas acho que precisamos de ser realistas. Não é tempo agora de relaxar completamente”, afirma.
Evitar efeitos desastrosos
No início deste mês, Andrea Ammon anunciou que a Europa (como um todo) já tinha ultrapassado o pico de infecções e que a excepção era apenas a Bulgária.
Ao longo das últimas semanas, os governos europeus começaram a levantar algumas medidas de restrição e a desconfinar. Foi o caso de Portugal, onde restaurantes, lares, creches e escolas, assim como algumas lojas, reabriram no início desta semana.
A função de Andrea Ammon passa agora por monitorizar as consequências do desconfinamento e detectar precocemente possíveis aumentos no número de infecções.
A especialista acredita que poderemos evitar uma segunda vaga de covid-19 com efeitos desastrosos se as pessoas cumprirem as regras e respeitarem o distanciamento social. Porém, nota que a determinação das pessoas para ficarem em casa começa a esvanecer-se, o que poderá ser perigoso.
“Acho que agora está a começar a cansar. O que nós vemos é, por um lado, a parte económica das pequenas e médias empresas, mas também a experiência das pessoas que não podem exercer todas as liberdades que normalmente temos: ir onde gostamos, estar com quem queremos. E esta é uma mudança fundamental no nosso modo de vida habitual. E especialmente agora que é claro que [as infecções] estão a diminuir, as pessoas acham que acabou. Mas não [acabou], definitivamente não acabou”, nota.
Mas estão já as medidas de desconfinamento a mostrar algum impacto nos dados? “Ainda não. Quer dizer, talvez isso nunca aconteça, talvez todo o ajuste destas medidas seja feito de forma prudente. Isto é algo que nós, neste momento, estamos a monitorizar de perto: o que está a acontecer após [a implementação destas] medidas”, responde.
O caso da Lombardia
Andrea Ammon recorda que foi só no final de Janeiro que se confirmou que o novo coronavírus, que surgiu na cidade chinesa de Wuhan, se transmitia entre humanos. À medida que os especialistas se foram apercebendo da natureza extremamente contagiosa do vírus, o ECDC aconselhou os governos, a 26 de Janeiro, a reforçarem a capacidade dos seus serviços de saúde. Pouco tempo depois, alguns serviços começaram a atingir efectivamente a sua capacidade máxima, como aconteceu na região italiana da Lombardia.
“Eu acho que o que se verificou foi que [os governos] subestimaram, na minha opinião, a rapidez com que esse aumento [da necessidade de camas] ocorreu. Porque são situações diferentes se tivermos de assegurar um aumento da capacidade de camas em duas semanas ou em dois dias”, acrescenta.
O papel das estâncias de esqui na propagação
A directora do ECDC acredita que o regresso dos turistas de estâncias de esqui nos Alpes, na primeira semana de Março, foi um momento crucial na propagação da covid-19 na Europa.
“Nessa altura, vimos que novos casos em toda a Europa tinham estado em destinos de esqui nos Alpes, em Itália e na Áustria. São lugares movimentados, as estâncias de esqui, e depois há as cabines nas quais se sobem as montanhas que são muito sobrelotadas. Sim, é perfeito para um vírus como este. Tenho quase a certeza que isto contribuiu para a ampla disseminação [do novo coronavírus] na Europa”, conclui.
Andrea Ammon recorda ainda o cepticismo com que alguns viram a implementação de medidas de confinamento na Europa. “Lembro-me de quando a China impôs o encerramento de Wuhan, as pessoas disseram-me ‘isto não seria possível na Europa’”, diz.
Certo é que as medidas de confinamento acabaram por ser implementadas também na Europa, obrigando as pessoas a testarem os seus limites de tolerância. Ainda assim, a especialista questiona se estas medidas não terão sido implementadas demasiado tarde e se não teria sido possível salvar mais vidas: “Acredito que se tivéssemos adoptado estas medidas mais cedo, poderia ter sido possível. Mas estas medidas são tão duras, são tão distantes da nossa experiência que eu acho que infelizmente foi necessária a situação no Norte de Itália para deixar claro que são necessárias”, afirma.
Ammon acredita que a luta contra o novo coronavírus ainda está longe de acabar. “Não sei se será para sempre, mas não acho que vá desaparecer muito rapidamente. Parece adaptar-se muito bem aos humanos”, refere.
Um Verão diferente
Quanto às férias de Verão, a directora do ECDC deixa um aviso: As pessoas “devem preparar-se porque, mesmo que haja algumas férias e elas possam ir para algum lado, não será comparável ao que tiveram no ano passado. Nesta fase, não podemos dizer que podem sair, lavar as mãos e que tudo está bem. Têm de manter a distância.”
E se há quem pense que o confinamento dos mais idosos e das pessoas em risco seria medida suficiente, Andrea Ammon deixa-se de rodeios: “Pessoas perfeitamente saudáveis também estão a ficar gravemente doentes e morrem.”