“Triste história” do Bolhão só comparável à do Palácio de Cristal, diz arquitecto

A Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) deu esta semana luz verde à alteração do projecto de requalificação do Mercado do Bolhão.

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Ines Fernandes

O arquitecto Joaquim Massena, autor de um projecto de requalificação do Bolhão, disse hoje que a “triste história” daquele mercado só é comparável à demolição do Palácio de Cristal, no Porto, criticando o aval dado à demolição das galerias.

Na segunda-feira, a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) deu luz verde à alteração do projecto de requalificação do Mercado do Bolhão, cujo método construtivo implica a demolição das galerias.

A entidade que tutela o património justificou a decisão com o elevado estado de degradação dos elementos metálicos e das lajes de betão.

“A matéria sobre toda esta triste história do Mercado do Bolhão, só comparável com a demolição do (verdadeiro) Palácio Cristal, é já muito extensa e não pode ser individualmente avaliada, sob pena da verdade sobre esta barbárie ficar circunscrita à demolição da galeria, quando do que se trata é do fecho e a perda total do património da cidade do Porto, o Mercado do Bolhão”, afirma Joaquim Massena, numa reflexão partilhada hoje com a Lusa.

Num texto intitulado “Interesse Difuso”, o arquitecto salienta que durante todo este processo, a obra do Bolhão foi classificada de várias formas pela entidade responsável, que se referiu “ora como “restauro”, outra vez “restauro profundo”, depois “reabilitação” ou “requalificação”, também “reinterpretação” e, agora “demolição” da galeria que será substituída por uma nova”.

“Preocupante, é pouco para manifestar a repulsa!”, assinala o arquitecto que critica o actual estado de coisas, cujo código de conduta ética e administrativa não está a ser devidamente aplicado, pelos agentes ou entidades.

De acordo Massena, no caso do património, o diploma legal que rege a intervenção refere claramente que, em edifícios classificados, como o Mercado do Bolhão, “a Lei 107/2001 de 8 de Setembro, define claramente o objectivo, o conceito e o âmbito do património e, no seu “artigo 49º demolição”, impede inequivocamente, nos pontos 1,2,3 e 4, qualquer “demolição"”.

Este artigo ressalva “que só serão aceites demolições desde que esteja em causa a preservação do “bem maior”, mas, mesmo assim, só serão autorizadas as demolições estritamente necessárias”, assinala, acrescentando que no ponto 5, do artigo 49.º, refere-se ainda que são nulos os actos administrativos que infrinjam o disposto nos números anteriores.

Massena vê com preocupação as emissões de pareceres, as contratações públicas e dualidade de atitudes e critica a demolição das galerias do Mercado do Bolhão cuja laje de betão armado, para além de estar “em perfeita condição de suporte, faz parte da história do betão armado e da prefabricação em Portugal”.

O arquitecto critica ainda o desvio do braço do Rio-da-Vila sem qualquer estudo de impacto ambiental, provocando uma alteração profunda no solo que, com a perda de água do rio no aterro (centenário), e que “irá provocar patologias nas edificações, de forma heterogénea, dado o aterro possuir o desenvolvimento da bacia hidrográfica do referido rio”.

“Basta, Basta, Basta! Julgo, que todo este procedimento é arrepiante para qualquer cidadão, sem formação especifica nesta área, mais para mim, que estudei profundamente todo este processo de efectiva reabilitação, sem o desactivar, durante os dois anos e por um custo de obra cerca de 12,5 milhões de euros, em vez dos cerca de 50 milhões [de euros]”, defende, questionando se o Bolhão “tornar-se-á na nova Casa da Música ou no dito Edifício Transparente que mascarou, negativamente, um acontecimento importantíssimo da cidade como foi o Porto 2001”.

Massena termina afirmando-se como um “Homem do Norte” que não se acorrenta nem ocupa os espaços de cultura, mas que não deixará de “estabelecer o saudável contraditório sempre na perspectiva de um Portugal livre e democrático”.

No dia 20 de Dezembro de 2019, a Câmara do Porto anunciou que as obras de requalificação do Mercado do Bolhão, cujo término estava previsto para maio deste ano, iriam ser prolongadas por mais um ano, devido à necessidade de alterar “o método construtivo”, que implicaria a demolição e reconstrução total das galerias superiores, cujo estado de degradação, afirmava a autarquia, “era, afinal bastante mais grave do que era possível apurar a partir dos estudos preliminares”.

O Ministério Público (MP) está a investigar desde Agosto de 2016 “a existência de um eventual crime no processo de reabilitação” daquela estrutura, na sequência de uma participação que o arquitecto Joaquim Massena, autor de um projecto de requalificação de 1998, apresentou no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto.

A empreitada de restauro e modernização do Mercado do Bolhão foi adjudicada ao agrupamento Alberto Couto Alves S.A. e Lúcio da Silva Azevedo & Filhos S.A. por mais de 22 milhões de euros, tendo sido “consignada oficialmente” a 15 de Maio de 2018, prevendo-se, à data, um prazo de dois para a conclusão dos trabalhos.

A necessidade de uma reabilitação profunda do Mercado do Bolhão começou a ser equacionada em meados de 1984, quando os serviços municipais detectaram patologias construtivas graves nos pavimentos do mercado.