Empresa que vendeu três milhões de máscaras com certificado inválido apresenta novo documento à DGS
Responsáveis da Quilaban, uma empresa do ex-presidente da Associação Nacional de Farmácias João Cordeiro, estiveram esta segunda-feira reunidos com profissionais da Direcção-Geral de Saúde.
A Quilaban, a empresa que vendeu três milhões de máscaras à Direcção-Geral da Saúde (DGS) com um certificado “inválido ou falso”, apresentou esta segunda-feira um novo documento à autoridade nacional de Saúde. O novo certificado, datado de 1 de Abril, foi emitido pela entidade polaca ICR Polska, a mesma que elaborou o primeiro, e a Quilaban garante, em comunicado, que o mesmo atesta a qualidade das FFP2 vendidas à DGS.
O director-geral da empresa, Sérgio Luciano, afirmou ao PÚBLICO que esteve na tarde desta segunda-feira reunido com responsáveis da DGS e da entidade que intermediou o ajuste directo de 8,5 milhões de euros, os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, para lhes entregar a documentação, que será avaliada pelas entidades públicas.
Em comunicado, a Quilaban, uma empresa do ex-presidente da Associação Nacional de Farmácias João Cordeiro, reconhece que o certificado que apresentou inicialmente, datado de 16 de Março, foi cancelado e que, portanto, era “inválido”. No entanto, na mesma nota, sublinha uma informação oposta: “A certificação apresentada era verdadeira e válida e continuou verdadeira e válida através de um novo certificado.”
Isto, porque a empresa chinesa que fabricou o produto, a Gansu Changee Bio-pharmaceutical, lhe garantiu esta segunda-feira, quando confrontada com a menção de invalidade do certificado inicial, que o mesmo foi substituído por um novo certificado, o ICR Polska/CE/V/01RE473, emitido a 1 de Abril.
No entanto, quando se pesquisa o certificado no site da empresa polaca não há qualquer indicação de que o mesmo esteja de alguma forma relacionado com o primeiro, que a própria Polska diz ser “inválido ou falso”. Confirma-se apenas a existência do ICR Polska/CE/V/01RE473 e que, entretanto, já foi reemitido um outro certificado, que seria o terceiro, num novo template, com a data de 18 de Abril.
Estranho é que na nota em que a entidade polaca explica que, após ter constatado a existência de inúmeros certificados inválidos ou falsos a circular, decidiu anular todos os documentos emitidos entre 1 e 26 de Março (o primeiro certificado era de 16 de Março) e diz que deixou de usar aquele que era então o selo da empresa. Contudo, o novo certificado tem o mesmo selo que o primeiro. O que este já não possui é a menção CE – um símbolo que garante a conformidade com as normas de segurança da União Europeia – que nunca poderia ser atribuída pela ICR Polska, porque esta não está acreditada para certificar equipamento de protecção individual ou dispositivos médicos.
Confrontado com estas questões, Sérgio Luciano admite ter tentado esclarecê-las com a entidade polaca, sem sucesso. Garante, no entanto, que, por email, a Polska lhe confirmou a veracidade do certificado emitido com data de 1 de Abril e da reemissão do mesmo com a data de 18 de Abril. “A conformidade da qualidade das máscaras FFP2/KN95 é assegurada, não só por esta certificação, como também pelos testes realizados à produção da Gansu pelo Guandong Testing Institute of Product Quality Supervision ao abrigo da norma chinesa GB 2626-2006, de resto, considerada como equivalente à norma europeia”, sublinha a empresa, no comunicado.
Marcação CE foi dispensada
A marcação CE é habitualmente obrigatória para atestar segurança dos produtos vendidos na UE, mas foi dispensada para alguns produtos, como as máscaras, nesta altura de pandemia, para facilitar a importação de equipamentos de protecção que estão com uma enorme procura no mercado mundial. Os requisitos de segurança continuam a ter de ser cumpridos, mas podem ser atestados de outra forma.
Quase metade das FFP2, que foram adjudicados por cerca de 8,5 milhões de euros, foi entregue na passada quinta-feira à autoridade nacional de Saúde. Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Saúde informou, no sábado à noite, que estas máscaras “não foram distribuídas e até ao esclarecimento cabal não será efectuado qualquer pagamento”.
As FFP2 – também conhecidas como respiradores – destinam-se a profissionais de saúde e foram adquiridas através de um ajuste directo feito a 7 de Abril. O contrato, que incluía ainda a aquisição de um milhão de máscaras cirúrgicas de tipo II (já entregues na totalidade), tinha um valor global de mais de nove milhões de euros.
A acompanhar a proposta estava um certificado CE emitido por uma entidade polaca, a ICR Polska, com a data de 16 de Março deste ano, que garantia a conformidade das máscaras com as normas europeias de segurança e saúde. No entanto, é esta entidade que alerta, no seu site, que deixou de certificar produtos relacionados com a covid-19 a 26 de Março e que decidiu anular todos os certificados emitidos durante esse mês devido a inúmeras fraudes detectadas. Numa base de dados disponível no site da ICR Polska é possível verificar a validade dos certificados. Quando se insere o número do certificado inicialmente apresentado ao Ministério da Saúde, a resposta continua a ser: “O número não existe, [o certificado] é inválido ou falso.”