Vários utentes retirados do Lar do Comércio como saudáveis estão com covid-19

Dos 20 idosos transferidos com resultado negativo para o Hospital Militar do Porto, 19 estão, afinal, com o novo coronavírus. Os 70 utentes que ficaram na instituição repetiram o teste esta segunda-feira. Exército já iniciou a desinfecção. O Ministério Público está a investigar actuação do lar de Matosinhos

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Lar do Comércio está, mais uma vez, a fazer testes aos 70 utentes que permanecem na instituição Paulo Pimenta

Dos 20 utentes transferidos na passada quinta-feira do Lar do Comércio para o Hospital Militar do Porto como saudáveis, 19 estão, afinal, infectados com o novo coronavírus. A informação foi confirmada ao PÚBLICO pela Unidade Local de Saúde de Matosinhos e pela autarquia, que se abstém de “fazer considerações sobre as razões que possam explicar como estes utentes que estavam negativos passaram a positivos”.

A direcção do Lar do Comércio alega não ter sido informada pelo hospital desses resultados, mas, após o contacto do PÚBLICO, diz ter enviado um email pedindo “a confirmação da realização dos testes e dos respectivos resultados”. Nessa mensagem, acrescentou o gabinete de comunicação da instituição, terá também questionado “se os familiares tinham sido informados”: “Se não tiverem sido, que nos dêem a lista dos resultados para o fazermos nós.” O PÚBLICO contactou o Hospital Militar, que se limitou a dizer que não pode “fornecer informação clínica, relativa aos doentes admitidos": só as entidades envolvidas devem ter acesso a elas. Ao contrário do lar, a Unidade Local de Saúde - que “não tem qualquer responsabilidade em relação a esses utentes” - tinha conhecimento dos resultados dos testes, confirmou Carlos Mouta, falando numa troca de informação constante com todos os envolvidos.

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59 utentes foram retirados do lar na passada quinta-feira Paulo Pimenta

Os 28 utentes também retirados na passada quinta-feira do lar para a Cruz Vermelha, em Vila Nova de Gaia, “estão a ser acompanhados com as maiores precauções, como se de falsos negativos se tratassem”, diz a Câmara de Matosinhos, que não tem, neste caso, números para avançar. Os 70 residentes que ficaram na instituição, transitando para as instalações da creche enquanto o lar é desinfectado pelo exército, foram testados mais uma vez esta segunda-feira. Um “pedido” do lar, disse o gabinete de comunicação da instituição, que nada teve a ver com os resultados antes citados: “A nossa equipa clínica defende que deve haver dois resultados negativos. Queremos ter a certeza que, após a descontaminação, só voltam para dentro do lar pessoas que sejam efectivamente negativas.”

Desinfecção concluída até ao fim da semana

No domingo, 36 militares do Elemento de Defesa Biológica, Química e Radiológica do Exército iniciaram a descontaminação dos seis pisos do Lar do Comércio. A operação deverá estar concluída até ao final desta semana, altura em que os utentes saudáveis podem regressar ao espaço.

Mas regressemos aos testes. Depois de a Comissão da Protecção Civil ter decidido avançar com a retirada de idosos com covid-19 ou com mobilidade reduzida do lar, todos voltaram a fazer o teste ao SAR-CoV-2. Os 59 que seriam depois transferidos para o Porto e Vila Nova de Gaia tinham resultado negativo, soube-se no dia 12. Mas, passados três dias, o quadro era outro para 19 dos 20 utentes chegados ao Hospital Militar.

Confrontado com esta mudança nos resultados, o médico Germano de Sousa, administrador do laboratório com o mesmo nome e que fez os testes no Lar do Comércio, avança uma explicação: “Provavelmente o vírus estava a desenvolver-se e ainda não era detectável.” Os testes realizados por este laboratório no lar são do tipo PCR em tempo real (RT-qPCR), que permitem obter resultados em cerca de três horas. Os testes PCR procuram material genético do vírus, sendo detectados os ácidos nucleicos, mais especificamente o ácido ribonucleico (ARN). Mas se a carga viral for ainda muito baixa, disse ao PÚBLICO, o vírus “não se apanha [no resultado]”. E o médico aponta para essa possibilidade ou a de uma contaminação posterior. “Obviamente isto nasce de uma infecção dentro do lar.”

Os 11 infectados transferidos para o Centro de Apoio Comunitário de Matosinhos estão “estáveis, apenas com os problemas de saúde de base”, garantiu ainda Carlos Mouta, da Unidade de Saúde Local. O número de vítimas mortais mantem-se em 22.

"Negligência”, acredita Luísa Salgueiro

Na passada sexta-feira, a presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro, revelou que a autarquia estava a enviar para o Ministério Público todas as queixas relativas à situação do Lar do Comércio. Sem entrar em detalhes, a Procuradoria-Geral da República confirmou ao PÚBLICO que “foi instaurado um inquérito”, que “corre termos no DIAP do Porto”. Poderá falar-se de negligência na actuação do lar, perguntou o PÚBLICO a Luísa Salgueiro. “Não fui ao Lar do Comércio. Pelos relatos que tenho recebido, podemos”, respondeu, assertiva, na primeira vez que se pronunciou publicamente sobre o assunto.

A Segurança Social e Administração Regional de Saúde no Norte não responderam às questões enviadas pelo PÚBLICO.

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