Covid-19. Tribunal ordena libertação de pessoa em quarentena num hotel dos Açores
O advogado refere que “pela primeira vez, há um tribunal que refere que as quarentenas são inconstitucionais”, apesar da medida aplicar-se apenas ao seu cliente.
O Tribunal de Ponta Delgada deferiu um pedido de libertação imediata ("habeas corpus") feito por um queixoso, contra a imposição de quarentena em hotéis por parte do Governo dos Açores, disse este sábado fonte judicial.
Em causa está uma iniciativa de um queixoso que foi colocado em quarentena obrigatória numa unidade hoteleira em Ponta Delgada e avançou com um “habeas corpus”, que foi entregue à juíza de instrução criminal do Tribunal de Ponta Delgada que, por seu turno, desencadeou os mecanismos legais.
O Governo Regional dos Açores aprovou uma resolução que impõe quarentenas em hotéis a cidadãos que se deslocam à região, no quadro das medidas de desconfinamento e de retoma da economia dos Açores, no âmbito da pandemia da covid-19.
O advogado do promotor do “habeas corpus”, Pedro Gomes, declarou, à saída da instância judicial, que, considerando-se que se estava perante uma “detenção ilegal”, a juíza entendeu que “as quarentenas são inconstitucionais por violarem a liberdade individual dos cidadãos”.
Quando alguém interpõe um “habeas corpus” está a pedir para que lhe seja reposta a sua garantia constitucional de liberdade.
O “habeas corpus” está consagrado no Código de Processo Penal Português no artigo 220º, existindo dois tipos: o preventivo e o liberatório. O primeiro acontece quando alguém que se vê ameaçado de ser privado da sua liberdade e interpõe um “habeas corpus” para que esse direito não lhe seja retirado. O segundo acontece já depois da detenção e o detido interpõe o “habeas corpus” pedindo que lhe seja restituída a liberdade, uma vez que a situação de detenção ofende o direito que lhe é constitucionalmente garantido.
De acordo com o advogado, o Tribunal de Ponta Delgada “ordenou, de imediato, a libertação imediata” do autor do “habeas corpus”, sendo que esta decisão “só tem efeito neste caso concreto”.
O cliente do advogado Pedro Gomes chegou a Ponta Delgada, oriundo de Lisboa, em voo TAP, tendo sido colocado em quarentena, o que constitui uma “privação ilegal de liberdade”, tendo o teste que realizou dado negativo para covid-19.
O advogado considerou que a decisão judicial “é passível de recurso pelo Ministério Público, e obrigatória para o Tribunal Constitucional, porque o juiz de instrução do Tribunal de Ponta Delgada declarou a quarentena inconstitucional”.
Para Pedro Gomes, face à decisão judicial, e apesar desta medida só se aplicar ao seu cliente, “há que fazer uma ponderação de outra natureza por parte do Governo Regional, que terá que retirar as devidas consequências”, sendo que, “pela primeira vez, há um tribunal que refere que as quarentenas são inconstitucionais”.
De acordo com o advogado, na perspectiva jurídica “é importante para os Açores que esta questão possibilite uma outra reflexão sobre as competências autonómicas para o futuro”, que “têm que ser melhoradas em tempo de emergência e em situações de excepção administrativa” e “recrutadas de outra maneira, para que a região possa ter outro tipo de competências, que hoje não tem”.
O advogado Pedro Gomes formalizou, entretanto, uma queixa à Provedora de Justiça por considerar inconstitucional a resolução do Conselho do Governo dos Açores sobre as quarentenas, numa fase em que Portugal já não se encontra em estado de emergência.
Desde o dia 26 de Março que todos os passageiros que chegam aos Açores são obrigados a ficar 14 dias em confinamento numa unidade hoteleira indicada pelo executivo açoriano, como medida restritiva para travar a evolução da pandemia da covid-19, tendo as despesas com o alojamento passado a ser pagas pelos passageiros não residentes no arquipélago desde 8 de Maio.
A Ryanair e a SATA não estão a operar entre o continente e a região, mas a TAP continua a ter ligações, embora em menor quantidade que o habitual, entre Lisboa e Ponta Delgada e Lisboa e Angra do Heroísmo.