Bloco diz que ganho da EDP com venda de electricidade “é inaceitável”
Presidente da ERSE vai ser ouvida no Parlamento sobre a criação de um imposto específico para a comercialização e o PS tem “grande interesse” na audição, garante o Bloco.
O Parlamento vai ouvir a presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Cristina Portugal, a propósito dos ganhos que as comercializadoras estão a ter com a diferença entre o preço de venda de electricidade aos seus clientes e os valores a que esta está a ser transaccionada no mercado grossista.
A audição da reguladora na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território (CAEOT) foi aprovada na quarta-feira, por unanimidade, e está agendada para o dia 27 de Maio, adiantou ao PÚBLICO o autor do requerimento, o deputado Jorge Costa.
O objectivo é conhecer a opinião da presidente da ERSE sobre “os ganhos excessivos” das comercializadoras decorrentes da pandemia da covid-19 e a forma “como estes devem ser tributados”, explicou o deputado, salientando que “o PS demonstrou grande interesse sobre o conteúdo da audição”.
Apesar de um qualquer futuro modelo de tributação específica para estes “ganhos fortuitos” ser válido “para todos as comercializadoras”, Jorge Costa diz que há casos mais flagrantes. “A Endesa e a EDP estão a ganhar muito dinheiro com isto”, afirmou.
Nas contas do Bloco, entre os “trinta dias anteriores e os trinta dias seguintes à entrada em vigor do estado de emergência, o consumo de electricidade diminuiu 15%, mas o preço de mercado para o dia seguinte caiu 34%”.
Reconhecendo que “os preços [no mercado grossista, onde as comercializadoras compram a energia para abastecer os clientes] já estavam em baixa antes da pandemia” (por factores como uma maior penetração das renováveis, por exemplo), o deputado sublinhou que a queda abrupta de procura de energia motivada pela crise de saúde pública “introduziu uma nova descida” que trouxe às empresas “ganhos excessivos”.
E são esses lucros decorrentes especificamente da pandemia (motivados por um “factor extra mercado”), que não tenham sido partilhados com os consumidores, “que devem ser especificamente tributados”.
“É iníquo, é inaceitável que a EDP esteja a vender electricidade aos seus clientes a 55 euros por Megawatt hora [MWh] e a comprá-la no mercado diário a 15 ou a 20 euros”, exemplificou ao PÚBLICO.
A EDP revelou recentemente, com as contas do primeiro trimestre, que já tem a produção de 2020 vendida ao preço médio de 55 euros por MWh (por comparação, o preço médio do mercado grossista para esta quinta-feira estava nos 24,27 euros).
“Factores correctivos” a ponderar
Notando que as margens de comercialização são maiores no mercado doméstico, onde o consumo aumentou no período de pandemia (e em que a EDP é líder destacada, com uma quota de 80%), o deputado do Bloco de Esquerda diz que “há vários factores que têm de ser ponderados” na introdução desta medida.
“No caso de pequenas comercializadoras que realizaram os seus aprovisionamentos com antecedência [recorrendo ao mercado de futuros e comprando com preços de mercado superiores], ou que até já devolveram parte dos ganhos aos consumidores, contribuindo para a dinâmica de mercado com tarifas mais competitivas, pode até nem haver margem para tributar”, admitiu Jorge Costa. Tem de se “analisar caso a caso”, e a ERSE tem os meios para fazê-lo, acrescentou.
“Nas contas que fizemos, considerando um preço de 50 euros por MWh, estaríamos a falar de um aumento na margem de comercialização das comercializadoras no seu conjunto na ordem de um milhão de euros diários”, explicou o deputado – “nem tudo isto é tributável, porque tem de se aplicar uma série de factores correctivos, mas há uma grande margem para isso”.
Sobre o facto de a introdução de um novo imposto poder ser considerada, pelas empresas, uma mudança de regras a meio do jogo, Jorge Costa sublinhou que “a pandemia é que veio mudar o jogo” a favor das empresas.
O deputado entende que até existe “jurisprudência da ERSE” sobre correcção de ganhos excessivos por eventos extra-mercado que indicam boa probabilidade da concretização de uma nova taxa. Jorge Costa refere-se à introdução do mecanismo conhecido no sector por clawback, em que as produtoras portuguesas passaram a pagar um novo imposto para ficarem em pé de igualdade com as espanholas – com quem concorrem no mercado grossista – depois de estas terem visto a sua carga fiscal aumentar.
Pequenas comercializadoras preocupadas
O presidente da Acemel, a associação que representa as comercializadoras do mercado liberalizado (mas de que não fazem parte empresas como a EDP, a Endesa ou a Iberdrola) diz ao PÚBLICO que não percebe “a racionalidade da medida”.
“O mercado ibérico de energia não funciona (ainda bem) com uma visão de tão curto prazo onde seja possível às comercializadoras imediatamente repassar o custo de energia no mercado diário para tarifários” contratados por um ou dois anos, afirmou Ricardo Nunes, líder da Acemel.
A excepção são os tarifários que estão indexados ao preço diário do mercado grossista e onde as subidas e descidas se reflectem automaticamente na factura – contudo, esse tipo de tarifários seduz apenas uma pequena parte dos consumidores porque têm vantagem em períodos de preços baixos, mas são penalizadores quando os preços grossistas estão altos.
Ricardo Nunes salienta que “a grande maioria dos comercializadores compraram a energia, que agora vendem, através de contratos de futuros (ou similares) adquiridos no passado”, ou seja, quando os preços do mercado grossista estavam mais altos, “pelo que não têm os ganhos anunciados” (no requerimento do Bloco para audição da presidente da ERSE).
Nessa lógica, é natural que os consumidores estejam a pagar um preço mais elevado, porque quem comprou a electricidade antes para fornecer o serviço também pagou mais por ela, explicou.
Mas nem mesmo as comercializadoras que não compraram a electricidade antecipadamente com contratos de futuros (que permitem segurar um preço para um determinado período) devem ter os lucros tributados, defende Ricardo Nunes. Isto porque, em 2018, quando os preços estiveram muito elevados, “não tiveram os seus prejuízos subsidiados quando vendiam a energia aos seus clientes a preço mais baixo do que aquele a que adquiriam no mercado diário”, justificou.
Sobre o facto de o Bloco de Esquerda se referir a “volumosos ganhos comerciais”, o presidente da Acemel sublinhou que “a comercialização de energia por si só não permite volumosos ganhos comerciais, pois “mais de metade do valor das facturas” está relacionado com custos relativos a redes, taxas e impostos em que o comercializador “funciona como um simples cobrador”, transferindo depois os valores para outras entidades sem qualquer remuneração.
E se há sempre o risco de a introdução de um novo imposto se poder reflectir nos preços finais pagos pelos consumidores, também “a constante alteração de regulação do sector em Portugal e a falta de harmonização regulatória” face a Espanha, quando se trata de um mercado ibérico, podem “diminuir o interesse de novos agentes” num mercado que já de si não é muito concorrencial.