Ampliação de centro para refugiados é promessa adiada há dois anos
Câmara de Lisboa anunciou obras em 2018, mas um problema burocrático está a impedir a empreitada. Esta terça há debate na assembleia municipal sobre as respostas sociais à covid-19.
A Câmara de Lisboa tem desde 2016 um Centro de Acolhimento Temporário para Refugiados (CATR) com espaço para 24 pessoas e em 2018 anunciou que ia ampliá-lo para o dobro da capacidade, mas até agora as obras não começaram e há um risco de se perder quase meio milhão de euros em fundos comunitários.
O centro funciona no Lumiar, num edifício cedido pela Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), e a intenção da autarquia era reabilitar dois edifícios contíguos para poder albergar cerca de 40 pessoas em simultâneo. As obras de ampliação do centro deviam ter arrancado no fim de 2018, mas um problema burocrático tem impedido a empreitada.
Os edifícios integram uma antiga quinta na Alameda das Linhas de Torres e foram vendidos pelo Estado à ADFA, só que entre o momento da cedência onerosa e a escritura passou tanto tempo que a associação ficou a dever juros de mora que não consegue pagar. Essa situação “impede que se proceda à transmissão da propriedade para a ADFA”, informa o Ministério da Defesa.
O coronel Manuel Lopes Dias, presidente da associação, diz ter ficado surpreendido com a necessidade de pagar juros e pediu ajuda à Defesa e às Finanças para se encontrar uma solução viável, uma vez que a ADFA “não tem dinheiro” para saldar aquela dívida, cujo valor não sabe precisar. “Quando assinámos o protocolo de cedência com a câmara não sabíamos que havia juros. Desde 2017 até agora temos estado a aguardar uma solução. Nós não temos dinheiro.”
Do lado camarário, o pelouro dos Direitos Sociais diz-se de mãos atadas enquanto o problema não for ultrapassado: “Aguardamos a resolução do mesmo com a brevidade possível.” Só que a autarquia tinha um financiamento comunitário garantido para a obra e agora já não tem.
A câmara candidatou-se ao Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI), que cobria 75% do valor das obras, orçadas em pouco mais de um milhão de euros. Já depois de assinado o contrato, em Junho de 2018, o município pediu uma reprogramação “que resultou numa redução do montante aprovado para 472.807,92 euros”, informa a Secretaria-Geral da Administração Interna, que gere o fundo. Até agora a autarquia recebeu perto de 511 mil euros e terá de devolver a diferença se entretanto não houver desbloqueio do impasse e nova reprogramação.
A resolução do problema “será tanto mais rápida quanto a situação económico-financeira da ADFA assim o permitir”, diz fonte oficial do Ministério da Defesa. “As entidades envolvidas mantêm-se disponíveis, incluindo para a apresentação de um plano de regularização do montante por saldar”, acrescenta.
“Estamos neste momento à espera, de boa-fé. Concorremos para a resolução das coisas, mas sem dinheiro não dá”, desabafa o coronel Lopes Dias.
Resposta da câmara em debate
Actualmente estão 19 pessoas alojadas no CATR, que em regra funciona como paragem temporária antes de os requerentes de asilo transitarem para apartamentos que a autarquia arrenda. Ao fim de ano e meio, espera-se que os refugiados consigam autonomizar-se, mantendo ainda ajuda de assistentes sociais. É pelo menos isso que diz o Programa Municipal de Acolhimento de Refugiados (PMAR Lx), aprovado em 2015 no pico da crise do Mediterrâneo. Há, no entanto, muitas pessoas que abandonam o percurso a meio para, por exemplo, irem ter com a família a outros países europeus.
Neste momento há 51 pessoas em apartamentos arrendados, informou o vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo (BE), num post de Facebook em que também criticou o Estado pelo alojamento de requerentes de asilo em hostels. Em dois deles foram já detectados casos positivos de covid-19.
As críticas do vereador foram mal recebidas por Miguel Graça, deputado da assembleia municipal pelo movimento Cidadãos por Lisboa, que no anterior mandato tinha responsabilidades no acolhimento de refugiados. “O senhor vereador Manuel Grilo esqueceu-se com certeza de que é vereador dos Direitos Sociais e que é esta precisamente uma das competências do seu pelouro: o acolhimento e integração de migrantes e refugiados”, disse Graça na última reunião da assembleia, precipitando a marcação de um debate de actualidade sobre este tema para terça-feira.
“Não existem refugiados de uns ou refugiados de outros. Enquanto aqui estiverem são todos lisboetas”, disse o deputado, acusando Grilo de conhecer as condições em que os refugiados se encontram nos hostels e de a câmara ter recorrido à mesma solução. “O seu pelouro usou aquelas mesmas pensões para alojar refugiados neste mandato.”
Em resposta ao PÚBLICO, Manuel Grilo diz que a câmara só trata do acolhimento de pessoas “que vêm para Portugal ao abrigo de programas europeus e internacionais e de acordos bilaterais feitos pelo Estado português”, enquanto os requerentes de asilo que estão nos hostels são “pessoas que chegaram pelos seus próprios meios”, sendo responsabilidade do Conselho Português para os Refugiados (CPR).
“A vereação sabe, e tem alertado para isso desde que assumiu funções, que os números de pedidos de protecção internacional em Portugal transcendem a capacidade das respostas de acolhimento conhecidas das diferentes entidades. Contudo, não temos registo ou informação sobre os requerentes de asilo espontâneos acolhidos pelo CPR, nem dos locais onde se encontram, assim como não a temos sobre pessoas refugiadas acolhidas por outras entidades”, garante Grilo. O vereador queixa-se que a câmara não tem assento no “grupo operativo para esta área”, mas não responde se a autarquia recorreu ou não às pensões para alojar pessoas.