Eternizar o instante
A vida é um esforço enorme. Por um lado, combatemos a rotina para não cair em desgraça, alimentando o instante inesperado. Por outro, arrumamos a casa diariamente para que a desgraça não seja ainda maior.
Hoje recordo os versos do poeta e cardeal José Tolentino Mendonça: “Levamos anos/ a esquecer alguém/ que apenas nos olhou”. O melhor da vida é tropeçar nas pessoas e percebermos como isso é capaz de moldar tudo o que se segue.
Quantas vezes não quisemos prolongar momentos, demorar um pouco mais com quem nos é querido, pedir mais uma porque a cerveja foi caindo bem com a conversa, ou estender o tempo de um abraço?
A vida é um esforço enorme. Por um lado, combatemos a rotina para não cair em desgraça, alimentando o instante inesperado. Por outro, arrumamos a casa diariamente para que a desgraça não seja ainda maior. A vida dura um fósforo. E, certas vezes, daqueles que custam a acender. Cabe-nos arranjar uma forma plena de o ver arder.
Há frases reconhecidas e reconhecíveis: “Bem, gostava muito de ficar, mas tenho que ir andando”. Já ouvimos, já dissemos. Faz parte de nós questionar o tempo. Todo o porquê das coisas e daquelas que não duram. Porque é que o que é bom acaba depressa, porque é que as férias passaram num ápice, porque é que já aqui estamos quando ainda ontem soprávamos poucas velas, porque é que ela não se deixou ficar por mais um pouco na cama?
Há coisas que nos distinguem da demais vida na Terra: a consciência da brevidade. Diria melhor: saber do tempo. Nós, humanos, tendo consciência dos bons momentos, quereremos sempre eternizá-los. Talvez a literatura nos tenha habituado a isso mesmo. Lia no outro dia uma frase que serve para ilustrar este ponto: “Se um escritor se apaixonar por ti, nunca morrerás”.
A literatura acolhe esse dom de tornar eterno aquilo que tinha tudo para ser finito. E poderemos percorrer as palavras uma e outra vez para recordar pessoas e instantes. Viagens, conversas, relações, momentos raros e singulares. A fotografia faz o mesmo, sendo que a imagem vista não é a mesma que a imagem imaginada. Quando lemos, imaginamos, quando vemos, está ali, é aquilo, não dá para fugir do aspecto. Muitas são as vezes em que recordamos com saudade algo ou alguém e imediatamente visualizamos momentos concretos. Outras vezes damos-lhes algo mais na nossa imaginação. Polvilhamos o instante com outros caminhos para aquela história.
Escrever é a melhor forma de memorizar. Sabemo-lo desde a escola. E as coisas que moram na memória são aquelas que estão vivas, que aceitámos, que se restabeleceram para se guardar. Por vezes o tempo pode ser cruel, traiçoeiro como uma armadilha. De nada nos serve a busca desenfreada da permanência porque nós mesmos seguimos a queda da ampulheta. Oxalá pudéssemos quebrá-la ou viciá-la, pensamos. O tempo não nos promete nada. Resta-nos a redenção, percorrer o tempo com as palavras. Tudo o que lemos são momentos largados por outros que aceitaram essa sua frágil condição. Ler e escrever abre-nos à eternidade, por isso mesmo, a melhor forma de eternizar um instante, é deixá-lo ir.