Reabrir as escolas em tempo de covid-19 “só se não houver medo”
Investigadora Beatriz Pereira diz que regras claras são essenciais para o retomar as aulas que, defende, deveriam começar pelo pré-escolar e básico. Na Dinamarca, o primeiro país a reabrir as escolas básicas, os alunos cumpriram com rigor as medidas — até começarem a relaxar.
A reabertura de escolas, prevista nos planos de saída do confinamento de muitos países europeus, vai começar na próxima semana em vários países europeus, apesar das reservas, em alguns casos, de cientistas que aconselham os governos.
Em França e nos Países Baixos recomeçam na segunda-feira as aulas presenciais do ensino básico; na Finlândia, primeiro e segundo ciclo recomeçam na quinta-feira, na Noruega, onde já há aulas na primária, recomeçam o segundo ciclo e secundário; na Alemanha, vão abrir o pré-escolar e as escolas primárias — em todos os casos, com turmas mais pequenas, horários desencontrados e regras para minorar o contacto dos alunos. (Em Portugal, o Governo pôs de parte recomeçar aulas presenciais no ensino básico no terceiro período.)
Na França e Alemanha, a decisão foi tomada apesar das reservas dos cientistas — o papel das crianças na transmissão do coronavírus ainda não está suficientemente estudado, e o virologista do hospital Charité, em Berlim, que faz parte da equipa que aconselha o Governo de Angela Merkel, diz que os dados actuais pedem cautela nesta reabertura. De França, o conselho de peritos disse que era “demasiado cedo”. Mas os governos argumentam com o bem-estar das crianças ou e justiça social para justificar a medida.
A Dinamarca foi o primeiro país a reabrir as escolas do ensino básico a 15 de Abril. As regras são estritas: turmas mais pequenas, cada aluno na sua secretária, trabalho em grupos de quatro ou cinco, grupos ainda menores para brincar no recreio, horários faseados para os pais deixarem os filhos, para não levar a ajuntamentos (há janelas de tempo diferentes), regras para lavar as mãos durante 20 segundos, e muitas aulas dadas no exterior.
Regras cumpridas. E esquecidas
Mads Gylling Jensen, professor numa escola na região dinamarquesa de Mittlejütland, disse ao diário alemão Tagesspiegel que ficou impressionado com o modo como os alunos cumpriram escrupulosamente as regras (os pais prepararam bem os alunos, e havia vídeos do Ministério da Saúde que Jensen viu com os alunos na primeira aula).
Entre as regras está o manter sempre dois metros de distância dos outros, ter os grupos no recreio fixos, com duas ou três crianças no máximo, lavar as mãos sempre que se passa do interior para o exterior e no início e no final das refeições (a lavagem inicialmente exigida, a cada duas horas, foi abandonada por estar a deixar a pele demasiado seca nas mãos das crianças).
Mas a sensação que Jensen tem é que as crianças estão a habituar-se de novo umas às outras e que as regras são esquecidas com uma frequência cada vez maior. Em especial as do recreio, quando as crianças deixam o seu grupo e aproximam-se demasiado umas das outras, contou o professor.
Grupos pequenos
Beatriz Pereira, do Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho, disse por telefone ao PÚBLICO que são justamente as crianças do pré-escolar (a partir dos três anos) e do primeiro ciclo que beneficiariam mais de um regresso às aulas — sempre com regras, que teriam de ir sendo reavivadas e repetidas.
E com cuidados como ter turmas mais pequenas, horários desencontrados, higiene adequada, maior supervisão (com eventual reforço de funcionários) e algum planeamento no modo de promover a distância física entre elas. Por exemplo, aulas que além das exposições para todos, tivessem mais trabalho de grupos pequenos de alunos (quatro, por exemplo), que estes grupos façam depois juntos as actividades nos recreios, e ainda ter disponíveis mais materiais para jogos a dois, como raquetes, ou que exijam espaço para ser usadas, como cordas, evitando jogos que acabem com todas as crianças ir para o mesmo ponto, como normalmente acontece quando há uma bola, sugere a professora da Universidade do Minho.
O que não faz sentido, defende, é ter aulas e depois os alunos passarem os intervalos dentro das salas. “O espaço livre é mais saudável”, diz também Beatriz Pereira, e é importante para as crianças sobretudo depois de muitas terem passado os últimos tempos confinadas em apartamentos.
O vírus parece ser menos transmitido ao ar livre, desde que seja cumprida a distância de segurança e não haja muita concentração de pessoas (na Alemanha, por exemplo, um dos primeiros focos foi numa festa de Carnaval).
Aliás, para a investigadora, o que deveria ser feito era aproveitar os espaços das escolas e das cidades e ter mais actividades ao ar livre, cumprindo sempre, sublinha, as regras do distanciamento. Mais aulas poderiam ser levadas para fora da sala, não só das áreas ligadas à natureza, de educação física ou artes, “mas também, porque não, algumas aulas de português?”
A especialista sublinha que para isto resultar tem de haver regras muito claras e bem definidas, que são também necessárias para outro factor indispensável ao sucesso: todos, professores, pais, crianças, têm de estar confortáveis com a ida às aulas. Com medo, não vai resultar, alerta Beatriz Pereira. Se uma uma criança tiver medo, defende, não deve ser obrigada a ir.
Crianças aprendem rapidamente
Além da higienização dos espaços e, sublinha, das casas de banho, “que têm sido muito negligenciadas” nas escolas portuguesas, o material lúdico devia ser exclusivo para cada pequeno grupo de quatro — “coisas simples”, como as raquetes ou cordas que antes sugeriu.
As crianças “são gregárias, mas também aprendem a fazer tudo rapidamente”, incluindo ter distância social, garante a investigadora.
Sobretudo, se forem criadas as condições para esta e lhes sejam dadas e repetidas orientações: por exemplo, como se faz em aulas de educação física, para perceberem que têm de deixar uma distância de um braço esticado sem tocar em ninguém, e mais um pouco ainda, exemplifica, aproveitando para dar noções do que é um metro de distância.
É um trabalho que tem de ser feito ao longo do tempo, não vai estar adquirido de repente, tem ainda de ser reforçado na família. E as crianças também terão um papel, diz Beatriz Pereira: “elas próprias vão criar novos jogos”, antecipa.