Por uma rede pública de lares e de apoio aos idosos
As pessoas idosas merecem uma resposta pública de lares e cuidados domiciliários na prática suportada por mais profissionais especializados que permita a sua autonomia.
Cerca de 15% das pessoas que faleceram por covid-19 em Portugal eram pessoas idosas em lares. É verdade que os seniores constituem um grupo de risco pela idade, pela sua fragilidade, pelo facto de poderem ter doenças crónicas e, portanto, mais propensos a contrair esta doença, representando quase 40% dos óbitos registados em Portugal, mas o peso das mortes nas estruturas residenciais para idosos denuncia as graves falhas deste sistema de institucionalização.
O vírus não nasceu nos lares, foi trazido de fora para dentro. E foi trazido principalmente pelos profissionais dos lares, incluindo profissionais de saúde, que trabalham em vários lares e equipamentos de saúde. Estes profissionais são, na sua maioria, trabalhadores precários, muitas vezes a falsos recibos verdes, que não conseguem tirar um salário suficiente para as suas vidas a trabalhar apenas num local. Estes profissionais têm de recorrer ao pluriemprego para sobreviverem. Na verdade, foi a precariedade que favoreceu a transmissão da covid-19 nos lares.
Para além disso, muitos dos profissionais dos lares não têm formação adequada para o trabalho que realizam, não sendo capazes, mesmo quando falamos de equipamentos legalizados, de aplicar planos de contingência quando eles existem e, percebemos por entrevistas dadas pelos responsáveis dos lares, que planos de segurança ou de contingência eram inexistentes. O uso de equipamentos de proteção individual, essencial para impedir a transmissão às pessoas idosas e para impedir o contágio, não foi feito porque os lares não tinham como comprar esses equipamentos. Apanhados de surpresa pelo irromper do surto pandémico, os lares foram encostados à parede.
Assim, ficaram expostas as enormes deficiências das estruturas residenciais para idosos, quer da rede solidária, como da rede lucrativa. Ao contrário do Serviço Nacional de Saúde, que tem mostrado capacidade e resiliência durante a crise, ao contrário da Escola Pública, que demonstrou que se conseguia adaptar, a rede de apoio aos seniores tutelada pela Segurança Social simplesmente não foi capaz de responder. E os dados conhecidos até agora referem-se aos lares legalizados ficando por esclarecer a situação das centenas de lares ilegais, por licenciar, com milhares de utentes.
É por isso que uma das primeiras lições da crise da covid-19 é a necessidade urgente de rever este modelo de apoio aos seniores, projectando uma alternativa que esteja à altura do Estado Social que defendemos. Torna-se imperioso criar uma rede pública de lares e de apoio domiciliário tutelada pelo Estado. Precisamos dessa estrutura de apoio aos seniores, que confira estabilidade, tranquilidade e competência aos utentes, aos familiares e à sociedade em geral, que através da contratação de pessoal qualificado permita aos seus profissionais um salário digno, um contrato de trabalho, sem precariedade e com segurança. Só essa rede pública nos dignifica como sociedade e tem capacidade de aguentar novas pandemias.
Atualmente, os municípios podem construir, mas não podem gerir diretamente as respostas de apoio social aos seniores, o que também acontece com as creches. Ora, as autarquias deverão ganhar a autonomia indispensável para assumirem esta responsabilidade na certeza de que a proximidade e conhecimento dos problemas é parte da solução. A não ser dado este passo, o Estado Central continuará a gastar milhões de euros em apoios à rede solidária, continuando mas a resposta a nível nacional a ser inconsistente e deficiente, com as famílias a desesperarem com os preços e má qualidade dos serviços de muitos lares e cuidados domiciliários.
As pessoas idosas merecem uma resposta pública de lares e cuidados domiciliários na prática suportada por mais profissionais especializados que permita a sua autonomia, ajudando nas tarefas domésticas e que quando praticável utilize um sistema de telecuidado e teleassistência de cobertura universal. Trata-se de requalificar o que existe, licenciar se for o caso os lares ilegais, projectando sempre o alargamento para outras soluções de apoio ao sénior, não encarando os lares como resposta única e universal.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico