Pais vão ter acesso mais alargado ao teletrabalho no futuro
Em causa está a directiva comunitária que obriga Portugal a alargar o direito dos pais recorreram ao teletrabalho até os filhos terem, pelo menos, oito anos.
A imposição genérica do teletrabalho nas últimas semanas por causa da pandemia de covid-19 promete revolucionar a forma como se vai trabalhar no futuro. Ainda não é certo se haverá vontade política para mudar as normas que regulam o teletrabalho, um regime que, fora deste contexto, exige, por regra, o acordo entre trabalhador e empregador. Mas pelo menos há uma certeza: os pais vão ter um acesso mais alargado a esta modalidade de trabalho no futuro.
Quem o diz é Joana Vicente, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que esta quarta-feira participou num webinar organizado pelo Cedipre – Centro de Estudos de Direito Público e Regulação daquela instituição de ensino superior a que o PÚBLICO assistiu. “Há uma directiva comunitária publicada o ano passado e que terá que ser transposta até Agosto de 2022, que quer alargar o acesso ao teletrabalho aos pais que tenham filhos com até, pelo menos, oito anos de idade”, explicou a docente universitária.
Quem também poderá beneficiar deste regime que Portugal terá que adoptar são os cuidadores, um conceito que inclui os trabalhadores que prestem apoio a um familiar que viva consigo e que necessite de assistência significativa por uma razão médica grave. A directiva europeia pretende impor mínimos que permitam conciliar “a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores”, mas não determinando o tempo em que o trabalhador/cuidador pode manter-se em teletrabalho. “A duração dos regimes de trabalho flexíveis pode estar subordinada a uma limitação razoável”, lê-se apenas no diploma europeu.
Joana Vicente lembrou que o Código do Trabalho já impõe aos empregadores o teletrabalho em duas situações, quando o trabalhador tenha filhos com menos de três anos ou seja vítima de violência doméstica. “Nestes dois casos não é necessário o acordo da entidade patronal, esta tem que aceitar o teletrabalho desde que o trabalhador o solicite”, destacou.
A professora universitária não tem dúvidas que o recurso a esta modalidade de trabalho durante a pandemia irá levar a uma reflexão profunda sobre este regime no pós-covid. “Já temos o Governo alemão a falar da possibilidade do teletrabalho passar a ser um direito dos trabalhadores”, exemplificou Joana Vicente. A especialista tem dúvidas que em Portugal se adopte uma solução tão ambiciosa, mas considera que poderão ser alargadas as situações em que o teletrabalho é imposto ao empregador.
Durante a conferência, Joana Vicente sublinhou que a entidade patronal tem direito a registar os tempos de trabalho do seu funcionário, mas de forma que tal não viole a privacidade deste. “O empregador não pode utilizar meios de vigilância á distância, como colocar uma câmara a vigiar o trabalhador ou usar software que permita registar as páginas de Internet que este consulta ou captar imagens do subordinado”, enumerou a professora da Universidade de Coimbra, com base nas posições da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Em princípio, o empregador deve disponibilizar ao subordinado os instrumentos de trabalho para ele exercer a actividade em teletrabalho. No entanto, no contexto da pandemia, e face a uma necessidade urgente de passar todos os trabalhadores cuja função permitisse para teletrabalho o legislador admitiu que na falta de meios da empresa, os instrumentos pudessem ser do próprio trabalhador.
Miguel Lucas Pires, professor da Universidade de Aveiro, também participou no webinar dedicando grande parte da sua prestação à forma excepcional como, durante a pandemia, as faltas estão a ser justificadas. O jurista explicou que no início o Governo criou um regime que permitia aos pais com filhos menores de 12 anos faltarem de forma justificada para tomar conta dos menores que ficaram em casa na sequência do encerramento das escolas.
Nestes casos recebiam uma retribuição correspondente a dois terços do salário base. O docente universitário lembrou que só num segundo momento foi possível aos pais justificar as faltas ao trabalho nas férias da Páscoa, mas que durante a pausa lectiva deixaram de ter direito a qualquer retribuição. “Em alternativa foi dada a possibilidade aos pais de marcarem férias, o que lhes permitia manter a retribuição. A marcação destas férias não necessitava de acordo do empregador”, explica Miguel Lucas Pires.