Rui Tavares transforma alunos em “cobaias do socialismo”?

O eurodeputado Nuno Melo (CDS) acusou Rui Tavares (Livre) de destilar ideologia numa aula de História e Geografia de Portugal (5.º e 6.º ano) da iniciativa #EstudoEmCasa. CDS aproveitou e questionou o Ministério da Educação sobre o assunto.

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A aula em questão era sobre a Exposição do Mundo Português. No final, uma das professoras conclui: “Salazar utilizava e usava a propaganda sobretudo para transmitir o seu ideal de império português” DR
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A aula em questão era sobre a Exposição do Mundo Português. No final, uma das professoras conclui: “Salazar utilizava e usava a propaganda sobretudo para transmitir o seu ideal de império português” DR

A frase

“Entre tantos, Rui Tavares foi escolhido para a telescola, destilando ideologia e transformando alunos em cobaias do socialismo. Nem disfarçam. Uma aviltante e ignóbil revolução cultural em marcha que pais sem recursos não podem evitar. Política travestida de educação. Miséria”

Nuno Melo, Twitter, 4 de Maio de 2020

O contexto

Nuno Melo é eurodeputado do CDS e um dos políticos mais activos na rede social Twitter, onde tem coleccionado críticos e admiradores. Desta vez, na sequência de uma aparição de Rui Tavares, historiador e dirigente do Livre, numa aula da iniciativa #EstudoEmCasa, o centrista acusou Rui Tavares de “transformar alunos em cobaias do socialismo” e de destilar ideologia. 

Na sequência das suas palavras houve diversas reacções. O próprio Rui Tavares explicou-se: “Eu não dei aulas na telescola! As professoras da telescola decidiram usar um episódio de um programa meu. Está aqui, veja por si se não equilibra e contextualiza os argumentos de regime, oposição e observadores externos”.

Mostrando que não há uma divisão dentro do CDS, o grupo parlamentar entregou mais tarde uma pergunta ao Governo sobre o mesmo assunto. Os deputados do partido querem saber se o ministro da Educação considera “aceitável a escolha de um político, independentemente do partido a que pertença, para ministrar aulas neste projecto”; se as aulas de História não devem “ser dadas de forma politicamente isenta”; e que “medidas vão ser tomadas no sentido de corrigir esta situação, de modo a que não se repita”.

No preâmbulo da pergunta lia-se que “no passado dia 24 de Abril, o módulo de História e Geografia de Portugal destinado aos 5.º e 6.º anos, sobre o tema ‘Da Expansão Marítima do século XV à manutenção do Império Colonial no século XX’, foi parcialmente dado pelo historiador e político Rui Tavares, fundador do partido Livre e publicamente reconhecido como seu líder e porta-voz” e que o facto tinha originado, junto do partido, “denúncias de várias pessoas, queixando-se de que o conteúdo foi dado sem isenção, mas sim com análise política e crítica do historiador (e, por isso, deturpada), relativas ao período em causa”.

O Ministério da Educação acabou por esclarecer que, “como em qualquer aula, planificada pelos professores e validada pela Direcção-Geral da Educação, os docentes utilizam os recursos pedagógicos” que consideram adequados às matérias em questão. “No caso, trata-se do excerto de cinco minutos de um programa de História, exibido na RTP2 em 2018, e disponível na plataforma RTP Ensina, à qual os docentes recorrem com regularidade para utilizarem nas suas aulas (presenciais ou não presenciais)”.

Os factos

Os seis minutos do vídeo protagonizado por Rui Tavares e que tem por base fotografias de Lisboa e de Portugal foram gravados em 2018 e emitidos na RTP.

A descrição do historiador começa em 1940 quando toda a Europa está em guerra. “Toda? Não! Num canto do continente, como numa pequena aldeia, um país propagandeia a sua neutralidade e o seu apego pela paz. Só que não é bem paz e também não é bem uma neutralidade, e isto onde estou também nem é bem uma pequena aldeia”, diz Rui Tavares saindo de uma casa de pedra, em Lisboa, “a capital do império”, numa fotografia que passa a “imagem ideal do país que Salazar queria que a Europa visse”.

O historiador fala então sobre a década de 30, em que “o regime se deixou colar à cultura da mobilização fascista”. Dez anos depois, “a imagem que agora importa mostrar é a de um país trabalhador, rural, aldeão, feito de famílias tementes a Deus e à Igreja numa visão apolítica da vida simples”. Tudo isto a propósito do significado que a exposição do mundo português teve para projectar a imagem de Portugal no mundo, por altura da Segunda Guerra Mundial.

Sobre esse momento de glorificação nacional que projectou duas imagens de Portugal, Rui Tavares descreve “um país não ameaçador”, no contexto europeu, e um país “grandioso e imperial que não tenciona largar as colónias”, no contexto mundial.

No final, uma das professoras conclui: “Salazar utilizava e usava a propaganda sobretudo para transmitir o seu ideal de império português”.

Em resumo

Não há dúvidas de que Rui Tavares não foi escolhido para dar aulas na telescola, mas terá destilado ideologia, tornando os alunos em cobaias do socialismo?

David Justino, do PSD, deu a resposta a Nuno Melo e ao CDS, no Twitter. O vice-presidente social-democrata escreveu na mesma rede social que “basta rever a ‘aula’ para perceber que o alarido é desonesto, manipulador e próprio de uma direita trauliteira sem escrúpulos”.

Justino acrescentou que “não teria a paciência” de Rui Tavares para responder aos ataques. “Por muito que discorde dele, neste caso tem toda a razão”, escreveu.

A ideia de Portugal como país que prezava a “neutralidade” e a “paz” durante a guerra e que se mostrava “trabalhador, rural, aldeão e feito de famílias tementes a Deus e à Igreja” não é revisionismo histórico e não parece transformar “alunos em cobaias do socialismo” em apenas seis minutos (duração do vídeo). A imagem de “país não ameaçador”, no contexto europeu, e “grandioso e imperial”, no contexto mundial, também não é uma revolução cultural.

Já esta quarta-feira, no PÚBLICO, Rui Tavares defendeu-se num artigo de opinião e lamentou o ataque às duas professoras que efectivamente deram a aula e escolheram o conteúdo, lembrando que até há pouco tempo o partido defendia a autonomia dos docentes. “Agora exige ao Governo uma intervenção para que não volte a acontecer as professoras terem autonomia para escolherem um conteúdo de alguém que o CDS não goste.”

Quer o CDS seriamente dizer que o seu fundador Freitas do Amaral, caso ainda fosse vivo, não poderia ter um conteúdo escolhido por professores do ensino público? Exigirão também, em coerência, que livros de qualquer cidadão que tenha fundado um partido sejam retirados do Plano Nacional de Leitura? Passaremos a ter autores ou cientistas proscritos por terem fundado partidos? Ou passaremos a ter somente gente sem vocação académica a poder ter actividade partidária?”, questionou.

O PÚBLICO questionou o CDS sobre se mantém as reservas e as questões enviadas ao Ministério da Educação e o partido respondeu que “a pergunta foi entregue e não diz que Rui Tavares era professor”. O CDS entende que “o que está em causa é o conteúdo político”.

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