A flauta e os grandes compositores
Testemunho de Maria João Cerol, professora de Música: “Todos nós, sem ousar quebrar o silêncio imposto pelo vírus, aos poucos, quem sabe, erguer-nos-emos, sem porventura tantas dúvidas, receios e falsos problemas.”
Sou flautista, professora de Música e faz parte da minha vida participar em acontecimentos musicais e também em exposições de artes plásticas. O meu marido é pianista e professor de Piano e os nossos filhos, para além da escola, sempre fizeram várias actividades culturais e desportivas.
No dia 4 de Março foi a inauguração da minha exposição, no CAN-Nova, em Lisboa, a primeira de fotografias musicadas, em que eu toquei na flauta obras escritas para as minhas fotografias, por compositores meus amigos. Voltaria a tocar no encerramento, mas, passados poucos dias, a universidade teve que fechar. A mesma exposição que seria inaugurada a 1 de Maio, no Museu da Terra e do Mar, na Carrapateira, teve que ser adiada. Estava a preparar os meus alunos de Lagoa (coro) e a estudar flauta, para a estreia da Sinfonia n.º 7 Ritual de Evocação dos Elementos, de Jorge Salgueiro, a ser apresentada em Lagoa, no dia 22 de Março (Dia Mundial da Água), o que também teve que ser adiado.
Agora, como tenho que estar em casa, tenho aproveitado para organizar/arrumar várias coisas – aquelas que iam ficando para um dia, talvez numas férias grandes – sempre que possível por ordem cronológica e/ou alfabética. Neste momento, estou a organizar os programas dos concertos, e de outros acontecimentos culturais, em que participei ou simplesmente assisti, desde criança. Aos meus, depois juntaram-se os do meu marido e, a seguir, os dos nossos filhos. Também estou a organizar partituras (para flauta solo, música de câmara, orquestra, música coral). Preparo as aulas assíncronas que dou aos alunos de Lagoa (Ensino Integrado da Música) e aos de Portimão (Expressão Musical) – como sei que as famílias acabam por estar mais tempo juntas, envio não só para os alunos, mas também para toda a comunidade escolar, biografias de compositores cuja data de nascimento termina em zero ou em cinco (finalizarei com o 250.º aniversário de Beethoven).
Desde o Inverno de 2011/12, no seguimento de um grave acidente de viação, passei a ser utente do CMRSul, do IPO Lisboa e do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, onde contactei com doentes e pessoal médico, mas éramos só alguns pacientes. A grande diferença, agora, é que é toda a humanidade que está em perigo e a sofrer.
O parque aqui à frente está deserto, só se ouvem os pássaros que, de momento, tomaram conta da zona. Todos nós, sem ousar quebrar o silêncio imposto pelo vírus, aos poucos, quem sabe, erguer-nos-emos, sem porventura tantas dúvidas, receios e falsos problemas.