Vídeo de primo de Assad mostra em público divisão da família do regime

Num regime onde as intrigas decorrem nos bastidores, as palavras de Rami Makhlouf são uma excepção. Dias antes, também vieram críticas a Assad de Moscovo.

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Reuters/MARKO DJURICA

O empresário Rami Makhlouf, que será o homem mais rico da Síria, divulgou dois vídeos em que entra em confronto com o seu primo direito, o Presidente do país, Bashar al-Assad, queixando-se de acções “injustas” das autoridades, desde a exigência do pagamento de impostos excessivos até à detenção de trabalhadores das empresas que dirige. 

“Uma pressão inaceitável”, queixou-se Makhlouf no mais recente vídeo, em que foi ainda mais directo do que no anterior - esse deveria ter sido o vídeo em que, no caso raro de ter havido um primeiro a mostrar desentendimento, o queixoso faria o pedido de desculpas e juraria a sua fidelidade a Assad, comentou no Twitter o jornalista Asser Khatab.

O que aconteceu foi o contrário. É algo “sem precedentes” no país - sabe-se que há intrigas e jogos de poder na família Assad, que está há quase 50 anos no poder na Síria, mas estes não saem dos bastidores (até, pelo menos, que alguém seja afastado).

E as críticas aconteceram quando na Rússia, que entrou na guerra na Síria em 2015 para apoiar Assad, especialmente com apoio aéreo, dois próximos do Presidente Vladimir Putin lançaram críticas directas, e raras, ao líder sírio: que parece incapaz de compromisso e que é “fraco”. 

A Rússia está, a nível interno, a tentar gerir os efeitos da covid-19 que tem aumentado muito (no domingo o país ultrapassou mais uma vez o record de novas infecções registadas: 10.633, metade das quais em Moscovo) e que levou a uma grande descida do preço do petróleo. Agora seria uma óptima altura para poder apresentar uma vitória na Síria (e lucrar com os contratos que virão com a reconstrução). Mas com as forças turcas apostadas em não sair da faixa que ocupam no Norte, com alguns ataques no Sul, e a teimosia de Assad, não parece que isto aconteça tão cedo.

O que é irónico, diz o investigador do Wilson Center e da Universidade Johns Hopkins, Alexander Bick, é que a frustração russa aumenta precisamente quando nos EUA e na Europa muitos começam a aceitar a continuação de Assad no poder (apesar das provas de ataques, a mais recente, no mês passado, da Organização para a Proibição de Armas Químicas que atribuiu ao regime de Assad a responsabilidade por três ataques com armas químicas em 2017).

Dificilmente, no entanto, a frustração russa se transformará em algo mais já que Moscovo não tem alternativas a Bashar al-Assad. 

Quanto ao palco interno, houve quem visse nos vídeos de Rami Makhlouf uma ligação com as queixas da Rússia (uma delas apontava a corrupção do regime de Assad). 

Makhlouf, que está à frente de um império empresarial com pé em quase todos os sectores da economia, da construção a turismo, passando pelas telecomunicações (a empresa mais importante é a operadora Syriantel), chegou a ser descrito em telegramas diplomáticos confidenciais americanos como “o exemplo personificado da corrupção”.

Mas para outros analistas, essa é uma simplificação de um caso complexo envolvendo um homem que terá contribuído muito para o esforço de repressão de protestos contra o regime e da guerra, que está no seu nono ano.

“Estão a pedir-me para me distanciar das minhas empresas”, declarou Makhlouf. “A pressão começou de modo inaceitável e as forças de segurança estão a prender os nossos empregados.”

Makhlouf disse ainda que embora considerasse a quantia de impostos que estava a ser pedida à Syriatel “injusta”, iria pedir para proceder ao pagamento da quantia (mais de 200 milhões de euros) de forma faseada. Mas não iria afastar-se da empresa, garantiu.

A jogada de Makhlouf parece querer dizer que ainda tem alguma influência - primeiro, na comunidade alauita, onde tem maior ascendente, e depois na imagem do regime como confiável (se o empresário pode perder tudo, ninguém está seguro: o que é dado pode ser tirado, aponta a jornalista Emma Beals). 

E, nota ainda Joshua Landis, investigador da Universidade de Oklahoma especialista em Síria, uma luta caótica sobre o controlo das empresas iria prejudicar muitos numa altura em que a economia da Síria está de rastos.

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