Covid-19: Nos call centers “as coisas não podem ser como antes”, diz sindicato

Há cerca de 99 mil trabalhadores em teletrabalho. Associação diz que regras para o desconfinamento serão cumpridas e sindicato avisa que condições de trabalho têm de mudar.

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Em 2017 existiam 1113 call centers em Portugal Vítor Cid/arquivo

Portugal começa esta segunda-feira a dar os primeiros passos rumo ao desconfinamento. Se o desafio do regresso à normalidade é grande para a generalidade dos sectores, para o dos call centers, onde o dia-a-dia de milhares de trabalhadores é marcado pela partilha de secretárias, auriculares, ratos e teclados, “e onde, em dois metros quadrados, chegam a estar quatro pessoas”, o pós-confinamento parece exigir um corte com o passado.

“A reabrirem [os call centers], as coisas não podem ser como antes, porque correremos riscos individuais e também seremos um risco para a sociedade”, disse ao PÚBLICO o presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC), Danilo Moreira, descrevendo uma realidade de trabalho nos antípodas do que são as medidas necessárias recomendadas para evitar a propagação da covid-19.

“Há edifícios em que chegam a trabalhar mais de 1000 pessoas, a menos de um metro umas das outras”, exemplificou. “Quando regresso de almoço, é perfeitamente normal sentar-me noutra secretária, porque a minha já está ocupada”, acrescentou.

O teletrabalho (nas actividades em que é possível) é obrigatório até final do mês, mas, em Junho, as empresas poderão promover o regresso parcial aos locais de trabalho, dividindo as equipas para que vão rodando, ou instituindo horários desfasados.

A secretária-geral da Associação Portuguesa de Contact Centers (APCC), Ana Gonçalves, revelou ao PÚBLICO que, dos cerca de 110 mil trabalhadores do sector (em 1113 centros, de acordo com um estudo de 2017), cerca de 90% está em regime de teletrabalho e as empresas “estão preparadas” para o manterem “pelo tempo que as entidades públicas determinarem”.

Para os trabalhadores que continuam nas instalações, “foram adoptadas regras estritas de amplo espaçamento entre as posições, desfasamento de horários de entrada, saída, refeição e pausas”. Também passou a haver “regulação do acesso a áreas comuns, como refeitórios”, e um “grande reforço das medidas de higienização”.

A dimensão das operações “é muito variável, podendo ter uma dezena de agentes ou algumas centenas”, mas a secretária geral da APCC garante que a existência de espaços com centenas de trabalhadores “não inviabiliza” o cumprimento “das regras que vierem a ser determinadas”.

A associação agendou para terça-feira um seminário online para as empresas do sector discutirem “regras, cuidados, inovações operacionais e boas práticas” no regresso à normalidade.

Muito terá de mudar, assegura Danilo Moreira. Além da partilha dos espaços e equipamentos, há problemas que vão “do reduzido número de casas de banho”, aos ares condicionados que “não têm a manutenção devida”, em edifícios que podem funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana.

O presidente do STCC (que tem cerca de 600 associados) garante que foi preciso “fazer pressão” sobre as empresas com um pré-aviso de greve para que estas acedessem a migrar para o trabalho remoto. Recordando um início de Março “caótico”, explicou que houve quem tivesse de ficar com os filhos, quem tivesse ido para casa porque pertencia a grupos de risco e quem “pura e simplesmente começasse a faltar, com medo do contágio, porque as condições de higiene são muito más”.

O sindicalista diz que a resistência inicial das empresas ao teletrabalho deveu-se essencialmente à “falta de vontade de comprar equipamentos individuais” para os trabalhadores e de “investir na segurança das redes” (para prevenir ciberataques que pusessem em risco os dados dos clientes).

“Nenhum dos operadores de telecomunicações queria passar para teletrabalho”, exemplificou.

Empresas falam em “custos significativos”

A secretária-geral da APCC reconheceu que “a passagem a teletrabalho nos contact centers não é uma operação fácil, tendo em conta todas as exigências de segurança no acesso a dados”, e também que foi preciso comprar novos equipamentos, porque o número de trabalhadores “em operações que funcionam 24 horas por dia é, naturalmente, inferior ao número de equipamentos utilizados”.

Mesmo assim, disse, as empresas conseguiram fazê-lo “muito rapidamente” e houve casos de operações com centenas de pessoas “que migraram em 72 horas”. Todo o processo “obrigou a suportar custos significativos”, adiantou.

Num sector de salários baixos e onde abundam os vínculos precários, como contratos mensais, bimensais, trimestrais ou termo incerto, e em que “é transversal o recurso às empresas de trabalho temporário”, os trabalhadores começaram logo a sentir os efeitos da crise. “Tem havido de tudo”, disse Danilo Moreira.

Chegaram ao STCC relatos de contratos a prazo que não foram renovados, contratos de formação que foram suspensos, de trabalhadores pressionados a reduzir a carga horária e de outros em teletrabalho a quem quiseram tirar os subsídios de refeição, contou.

Outro sindicato, o SNTCT, dá exemplo de trabalhadores dos call centers da Altice contratados através da Randstad “que foram enviados para layoff”, e de outros, das empresas Vertente Humana, Sui Gest, Talenter e Kelly Services, “a quem foi imposta a redução do horário de trabalho e o gozo de férias”.

Segundo a APCC, um estudo de 2019 concluiu que a percentagem de trabalhadores contratados em regime de trabalho temporário era de 7%.

Danilo Moreira garante que se trata de prática generalizada e não apenas em grupos privados como a Altice, Nos, Vodafone, EDP, CGD ou Novo Banco, por exemplo. O mesmo acontece com os call centers da Segurança Social, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ou do Instituto do Emprego e Formação Profissional, contou.

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