Código de Saída para uma Economia Saudável: par ou ímpar, quem sai esta semana?
Para sermos mais eficazes na próxima caminhada de equilíbrio sobre arame, propomos o “Código de Saída para uma Economia Saudável”: se o número da sua porta for ímpar, saia à rua só nas semanas ímpares (começando já segunda-feira, dia 4 de Maio, na semana 19 do ano); se for par, saia só nas semanas pares. Espalhe esta ideia. Com a colaboração de todos, podemos contribuir para controlar a epidemia e curar a economia!
Após aproximadamente um mês e meio de estado de emergência, destinado a reduzir os contactos sociais e ‘aplanar’ a curva epidémica da covid-19, Portugal prepara-se para aliviar as restrições e, gradualmente, retomar actividades de natureza comercial, escolar, desportiva e outras. O primeiro-ministro foi claro quando sublinhou os riscos desta retoma. Inevitavelmente, iremos aumentar o número de pessoas diferentes com quem contactamos por dia, iremos pousar as mãos em mais superfícies que podem estar infectadas e, só por isso, aumentaremos o risco de ocorrência de novas infecções. Iremos assim aumentar o valor do R, o já famoso indicador da transmissão da doença, o qual aumenta com o número médio de contactos com pessoas diferentes que uma pessoa tem por dia e com a probabilidade de que esses contactos dêem origem a um contágio.
Com o objectivo de conter o aumento do R, o Governo anunciou um conjunto de medidas que visam dois objectivos principais. Primeiro, não permitir que o número de contactos aumente para os valores que existiam antes da epidemia. Segundo, contribuir para que os contactos, que inevitavelmente irão aumentar, sejam contactos de baixo risco.
Neste artigo, iremos focar-nos no primeiro objectivo, trazendo algumas ideias acerca de como o alcançar. Antes disso, contudo, permitam-nos explicar melhor o segundo objectivo. A recomendação de uso de máscara, a lavagem das mãos, a etiqueta respiratória, o afastamento entre pessoas, só por si não diminuem o número de contactos sociais que temos durante um dia. Contudo, tornam mais difícil que uma pessoa portadora do vírus faça o dito vírus alcançar as mucosas que revestem o interior do nariz e da boca, bem como a superfície dos olhos, de outra pessoa. A esmagadora maioria das gotículas microscópicas que emitimos, quando falamos, tossimos ou espirramos, irão ser travadas pela máscara, ou então irão fazer uma trajectória para o solo sem alcançar outra pessoa, porque as pessoas estarão mais afastadas entre si, ou porque elas próprias têm máscara. A máscara e a etiqueta respiratória também evitam que estas gotículas se depositem sobre mesas, balcões, portas, ou outras superfícies sobre as quais as pessoas poisam as mãos. Por outras palavras, estas medidas farão com que os nossos contactos sociais se tornem contactos de baixo risco.
Para o primeiro objectivo – impedir que o número de contactos aumente para os níveis pré-epidemia –, o Governo também anunciou medidas que irão condicionar as nossas vidas e as actividades económicas. Incluem-se aqui a redução do número de clientes nas lojas, cabeleireiros, transportes públicos, (mais tarde) restaurantes e, numa outra vertente, a limitação dos níveis de ensino presencial que irão reabrir. Isto significa que vamos ter ainda muitas actividades a trabalhar a meio gás, só com parte dos clientes e parte dos trabalhadores. Ainda para evitar uma subida excessiva do número de contactos sociais, o relaxamento do confinamento é progressivo, com, por exemplo, as lojas pequenas a abrirem já a 4 de Maio, as creches a 18 de Maio e o pré-escolar só no início de Junho.
Apesar desta prudência, que consideramos louvável, pensamos que é possível sermos mais eficazes na próxima caminhada de equilíbrio sobre arame, na qual procuraremos um difícil balanço entre retoma económica e, simultaneamente, manter a epidemia sob controlo. Outros países estão a tentar soluções inovadoras, às quais devemos prestar atenção, porque se podem revelar úteis para nós. A título de exemplo, chamamos a atenção para uma ideia estudada por cientistas em Israel que adaptámos e concretizámos, da forma que apresentaremos em seguida.
A ideia consiste em dividir as famílias que estão agora a sair do confinamento em dois grupos, que designaremos por A e B. Na primeira semana, só o grupo A é que sairia de casa para actividades, quer seja para trabalhar, quer para actividades de consumo e lazer. Na segunda semana, o grupo A ficaria em casa, sujeito às actuais regras de confinamento e seria a vez do grupo B sair.
Quais são as vantagens desta alternância? Em primeiro lugar, o número de contactos fora de casa é mais reduzido, porque metade das famílias estão sempre confinadas. As regras de distanciamento nos estabelecimentos comerciais e transportes públicos também seriam mais facilmente respeitadas. Além disso, se um membro da família for infectado, é provável que, quando adquire capacidade de transmitir o vírus e contagiar outros, já esteja novamente confinado em casa. Quando surgem os sintomas (em geral quatro a seis dias após a infecção), a pessoa está na semana de confinamento e é mais facilmente identificada e isolada. Esta pessoa já não voltaria a sair de casa e apenas poderia infectar os outros membros da família.
Num país ideal, esta medida seria promovida pelo Governo e seria seguida por todas as famílias. Mas a ideia já se pode revelar útil se for seguida, voluntariamente, só por uma parte das famílias. Inevitavelmente, para tal é crucial contar com a colaboração das entidades patronais. Para estas, esta é também uma medida positiva, pois a alternância proposta conduz à redução do número de trabalhadores que estão simultaneamente no local de trabalho. Isto, por sua vez, ajuda ao cumprimento de regras de distanciamento impostas internamente pelas próprias empresas.
Para simplificar a aplicação desta medida, propomos o “Código de Saída para uma Economia Saudável”: se o número da sua porta for ímpar, saia à rua só nas semanas ímpares (começando já segunda-feira, dia 4 de Maio, na semana 19); se for par, saia só nas semanas pares.
Espalhe esta ideia. Com a colaboração de todos, podemos contribuir para controlar a epidemia e curar a economia!
Tiago Domingos, Professor de Ambiente e Energia do Instituto Superior Técnico
Manuel Carmo Gomes, Professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa