Migração de imóveis de AL para arrendamento será fenómeno de curta duração

Nas cidades de Lisboa e Porto já havia muitos casos de apartamentos que teriam melhores taxas de rentabilidade no arrendamento tradicional do que em alojamento local. Mesmo assim resistiram. Agora vão ser as autarquias a criar uma espécie de redoma de segurança

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Nuno Ferreira Santos

Quem visitasse as listagens de imóveis para arrendamento nas últimas semanas nas plataformas online iria reparar na oferta crescente de “apartamentos remodelados”, quase todos decorados, muitos deles a apresentar preços de desconto face ao valor das rendas cuja valorização tem sido uma constante até ao final deste primeiro trimestre.

São “os movimentos normais” de proprietários de imóveis que estavam no mercado de alojamento local (AL), e que, com a tesouraria apertada, tentam ir buscar ao mercado de arrendamento a forma imediata de fazer face às despesas fixas que se mantêm, mesmo quando a actividade travou abruptamente, até ao nível zero na maior parte dos casos. Mas basta olhar para a forma como o mercado se comportou ao longo dos últimos anos, e sobretudo para a forma como recuperou depois da crise do imobiliário em 2008, para perceber que esse será um fenómeno limitado ao tempo que durar esta crise no turismo. 

Ricardo Guimarães, director da Confidencial Imobiliário (Ci), uma empresa especializada em estatísticas do sector, confirma esta convicção na análise ao sentimento de mercado que tem vindo a fazer ao longo dos últimos oito a dez anos, tanto no mercado de compra e venda como no mercado do arrendamento. “O mercado de arrendamento é a opção dos investidores apenas quando os outros segmentos estão em crise”, afirma. É o que se passa agora nos imóveis colocados no alojamento local, confrontados com uma crise repentina, mas cujo futuro vai depender, em muito, das circunstâncias dos proprietários.

“Aqueles que tiverem no AL a sua base de sustento estão mais forçados a tomar uma decisão de encontrar alternativas”, acrescenta Ricardo Guimarães, frisando que a moratória dos empréstimos foi muito importante “para dar alguma serenidade na análise de alternativas”. “E o mercado de arrendamento deverá ser ganhador apenas enquanto durar este ciclo de incerteza”, sintetiza.

E porque é que o mercado do arrendamento não pode ser uma alternativa, duradoura, ao alojamento local? Ricardo Guimarães volta a socorrer-se das estatísticas que tem vindo a coligir e que já lhe permitiu concluir que ainda antes da eclosão desta pandemia, o negócio do AL só era claramente vantajoso face ao arrendamento tradicional em quatro freguesias de Lisboa e em duas localizações do Porto. “E nem por isso os proprietários se apressaram a tirar os imóveis de um segmento para o colocar no outro”, argumenta.

A análise ao mercado feita pela Ci começou por demonstrar que, de todas as unidades de AL que estão registadas no Turismo de Portugal, apenas 45% estão de facto activas. O estudo da empresa centra-se apenas nos apartamentos T0 e T1, e que, segundo os registos obrigatórios no Turismo de Portugal são cerca de 9500 fogos em Lisboa e 6000 no Porto. No entanto, monitorizando as plataformas Airbnb e Booking, percebe-se que há cerca de 3000 unidades em Lisboa e cerca de 1500 no Porto que não têm qualquer anúncio online. 

AL vs arrendamento

A análise à rentabilidade aos dois segmentos foi feita através do SiR-AL (um índice que arrancou em Março de 2019 e com o qual começou a produzir indicadores sobre as diárias médias, taxas de ocupação, volume de vendas e revPar, a receita por unidade de alojamento) e realizada na perspectiva dos proprietários dos imóveis, apurando a margem operacional conseguida com cada segmento.

Este índice tem como foco apenas os apartamentos T0 e T1, “dado serem o perfil de produto dominante e que, ao mesmo tempo, constitui uma oferta turística mais homogénea”, explica Ricardo Guimarães. A análise é útil sobretudo na óptica do investidor puro, mero receptor de rendas. Quando o proprietário intervém na gestão do AL captura uma maior fatia do rendimento, já que remunera também o seu tempo e recursos e não apenas a componente de capital, como sucede no arrendamento.

Em todas as freguesias de Lisboa o revPar  (do inglês revenue per available room) médio mensal gerado pelo AL supera a renda média mensal praticada no arrendamento residencial. Contudo, pondo o foco no rendimento líquido, verifica-se que, em Lisboa, apenas quatro freguesias se mostram mais rentáveis para o AL do que para o arrendamento residencial de longa-duração: Avenidas Novas, Campo de Ourique, Misericórdia e São Vicente. Em todos estes casos, o prémio não é muito elevado, abaixo de 15%, o que significa menos de 125 euros mensais.

No caso das freguesias do centro histórico – Misericórdia e São Vicente – as rendas médias habitacionais para os T0/T1 são de 895 euros e 780 euros, respectivamente. Na Misericórdia, a renda mensal líquida gerada pelo AL supera a renda residencial em 95 euros, e em São Vicente o prémio é de 72 euros mais do que o obtido num arrendamento residencial na mesma freguesia. 

No caso da cidade do Porto, o AL só “é negócio” nas freguesias da baixa e centro histórico. Mas, mesmo aí, só justifica nos imóveis com revPar acima da média, ficando aquém do arrendamento nas gamas baixa e média baixa. Com uma renda residencial de 721 euros para os T0/T1, que não é sequer a mais elevada da cidade (na Foz atinge 906 euros mensais), o centro histórico remunera os proprietários de imóveis em AL por um valor 12% acima do obtido com uma renda residencial, o que corresponde a um valor líquido mensal de 86 euros.

Ricardo Guimarães recorda que estes resultados surgiram num contexto de forte subidas do valor das rendas, num equilíbrio precário que, no entanto, se pode manter. “As rendas eram niveladas pela capacidade de rendimento que tinha o AL. O que sabemos agora é que a rentabilidade, a curto prazo, vai descer em ambos os segmentos”, afirma.

As tentativas de atracção dos proprietários privados para o mercado de arrendamento está sempre presente nos discursos políticos, e até em programas como o de Arrendamento Acessível (PAA), que deu origem a menos de duas centenas de contratos. Parece agora certo que vão ser os já anunciados programas municipais das câmaras de Lisboa e Porto que vão fazer esse papel: a Câmara do Porto quer arrendar estes fogos para depois os subarrendar (programa Porto com Sentido). A Câmara de Lisboa tem o programa Renda Segura, e, mais recentemente, a vereadora da habitação, Paula Marques, anunciou a intenção de ir às compras, e aumentar a oferta municipal adquirindo estes imóveis no mercado. 

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