Cansados de (algumas) imagens

As televisões e os jornais transformaram-se em boletins clínicos de um mundo doente. A covid-19 parece tê-lo reduzido a unidades de cuidados intensivos, a ruas desertas, a pessoas com máscaras, a funerais quase sem gente. Quatro jornalistas — três fotógrafos e um repórter de televisão — reflectem sobre as imagens da pandemia a partir do lugar de onde escolheram olhar para ela. Como se mostra o que não se vê?

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Mário cruz/Lusa

Emanuela pôs as duas mãos sobre o caixão fechado do pai. Está cabisbaixa e tem uma máscara a cobrir-lhe boa parte do rosto. Carmelo Marchese, 93 anos, morreu em casa, na cidade de Brescia, a 28 de Março, porque a família assim o quis. Apresentava sintomas coincidentes com os da covid-19 e antes mesmo de saberem se estaria infectado com o novo coronavírus, filha e netos tinham já decidido que o patriarca dos Marchese não enfrentaria a doença numa unidade hospitalar em que não podiam acompanhá-lo e onde, muito provavelmente, viria a morrer sozinho. O médico de Carmelo não tentou dissuadi-los. Eram poucas as hipóteses de sobrevivência deste antigo funcionário da câmara que esteve ao serviço da Marinha na Segunda Guerra e que ainda chegou a conhecer Martina, a bisneta. Naquela altura, no Norte de Itália, região fortemente afectada pela pandemia, os clínicos eram muitas vezes forçados a escolher quem receber no hospital, quem ligar ao ventilador.

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