Coronavírus
Mariana vem à janela desenhar o que pensa fechada em casa
Mariana Flores riu-se com a simpatia do vizinho da frente, a quem se tem oferecido para ir fazer as compras. "Hoje ele veio perguntar-me se precisava de alguma coisa, que ia ele", relata numa tira de banda desenhada a ilustradora de livros infantis. "Mas... o meu vizinho tem, pelo menos, 70 anos. Acho que não percebeu bem a ideia."
A solidariedade entre vizinhos é o tema dos primeiros quadradinhos que captam os pensamentos da artista em confinamento há mais de uma quarentena. "Durante os primeiros tempos estava a manter-me muito ocupada. Há quem faça precisamente o contrário. Tudo é válido", diz Mariana, habituada a trabalhar a partir de casa, entre escapadelas para a livraria-café Arquivo, em Leiria.
O cancelamento da 57.ª edição da Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, em Itália, onde ia mostrar propostas para livros, marcou o início de muitos planos de trabalho adiados, desde workshops a lançamentos de livros. A quebra de vendas de livros em Portugal, que ascendeu aos 68% em Março, não trouxe um cenário mais positivo a quem pensa nos livros "sempre como o objectivo final". Muitos estão agora fechados na gaveta.
Vem também daí o humor "cada vez mais negro", que, às vezes, até a autora surpreende. Entre a confusão nos pedidos de apoio à quebra da actividade dos trabalhadores independentes — "sinto que o meu emprego é mais acompanhar os decretos do Governo do que outra coisa" — e sintomas que a cansam sem um diagnóstico, o "sentido de humor ajuda a aligeirar a situação". "Quando criamos um livro infantil é um projecto muito solitário e não podemos revelar nada durante muito tempo", conta. Nas ilustrações que publica nas redes sociais, e nesta galeria em actualização, o contacto com quem folheia (ou faz scroll) pelo seu trabalho é maior e chega menos adiado, uma combinação satisfatória em dias de distanciamento social, conta.
Perguntámos-lhe se é ela quem vemos à janela a desabafar — "top", expira, a certa altura. "É um auto-retrato", confirma-nos, que em três quadradinhos vai da indignação ao sorriso (possível).