Karina Valente Sousa: “Que tudo passe, mas que nada passe em vão!”
Karina é líder de viagens The Wanderlust. Nasceu no Brasil e é lá, no interior do estado do Rio de Janeiro, que aguarda por melhores dias.
É a viajar e com cada passo que me construo como pessoa. Não planeei, mas o destino dos que andam ao destino brindou-me estar no Rio de Janeiro em pleno Carnaval. Fazia tempo que não me entregava à folia como o fiz. Impressionante como tudo muda num instante e recordo a canção de Tom Jobim e Vinicius “..pra tudo se acabar na quarta-feira”. Enquanto ainda desfrutava do “pós-Carnaval”, ou seja o Carnaval que continua, uma nova versão da canção parecia surgir: “…pra tudo se acabar em quarentena”.
Não faltou muito até que começaram a aparecer os primeiros casos no Brasil. Por mais que Deus seja brasileiro, como se diz por aqui, o “dito cujo” — cansei-me de o chamar pelo nome — ultrapassa fronteiras e resiste ao calor do Brasil, sim!
Entretanto, a Europa já vivia um pesadelo. E eu, que tenho família em Portugal e casa no México, decidi ficar no Brasil, devido a toda a incerteza à minha frente.
Estava no apartamento de uma amiga em plena cidade do Rio de Janeiro. Nas notícias anunciavam que à meia-noite iam fechar os acessos da cidade a outros municípios. A situação das favelas, um presidente que sai à rua abraçando as pessoas, um povo que não pode ficar sem trabalhar... enfim, adivinhava-se que a cidade maravilhosa passasse a caótica.
Juntamente com um casal amigo (ela brasileira, ele argentino), decidi sair da cidade. Preparamo-nos à pressa e “escapamo-nos” já de noite. Senti-me em pleno filme de Hollywood, na cena em que os amigos pegam no carro e fogem da cidade dos zombies, e apesar de estar acostumada a tantas aventuras pelo mundo e a situações meio insólitas, nesse momento estava bastante apreensiva e sem certezas.
Quando assim é, só me resta uma coisa: ouvir a minha voz interior e confiar. Com tantas viagens ao rumo do vento, essa tal voz vai-se afinando. O que tem que ser tem muita força e o que não tem que ser, também.
Estamos em Lumiar, no interior do estado do Rio de Janeiro. Alugamos uma casa no bosque em que temos a um lado os donos, e no outro lado um jovem casal com uma criança, que também decidiu “escapar” da cidade. Estamos rodeados pela natureza, um rio que corre à porta e no qual nos podemos banhar. Cuidamo-nos, consumimos alimentos frescos, reforçando a nossa imunidade. Não estamos tão ligados às notícias, mas mantemo-nos informados. Fui uma única vez até à vila para fazer compras, nos supermercados limitam a entrada de clientes e têm álcool para todos desinfectarem as mãos à entrada. A nossa pequena “bolha” parece estável, mas até quando?
As coisas acontecem por acaso ou têm um caso? Lembro que há uns meses eram os pulmões do mundo a arder. Na Amazónia e na Austrália os fogos duraram semanas. Ironicamente, ou não, agora são os nossos pulmões com dificuldades em respirar.
Estamos todos relacionados, todos habitamos a mesma grande casa. Mas será que temos todos sido responsáveis por cuidá-la? Qual será a relação preço-custo, ambiental e ético, de cada coisa que temos, que comemos e que utilizamos no nosso dia-a-dia? Demonstramos o que “financiamos” neste mundo com cada moeda que gastamos, com o quê e onde compramos, esse é o nosso verdadeiro voto.
Afinal uma coisa é certa, este “bicho” veio mostrar que todos contamos, e que quando queremos, podemos fazer melhor por todos nós. Será que um dia olharemos para trás e veremos este acontecimento como algo que nos despertou a viver uma vida mais íntegra e responsável? Perante a situação que vivemos, só tenho de confiar: que tudo passe, mas que nada passe em vão!