Contas públicas abaladas pelo coronavírus registam défice de 1193 milhões em Março

Em Março, o primeiro mês em que os efeitos da pandemia se fizeram sentir, as receitas do Estado com o IVA e o IRC caíram e a despesa pública com o SNS acelerou. No total do terceiro trimestre ainda há um excedente, mas em Março o resultado foi claramente negativo

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Nuno Ferreira Santos

A paragem da economia trazida pela pandemia e o esforço adicional exigido ao Serviço Nacional de Saúde conduziram, sem surpresa, a uma quebra acentuada da receita fiscal e a uma aceleração da despesa pública, abalando fortemente os resultados das finanças públicas portuguesas durante o mês de Março. E se, mesmo assim, ainda se regista um excedente orçamental durante o primeiro trimestre, no mês de Março o resultado já foi muito negativo, com um défice superior a 1000 milhões de euros.

Os dados da execução orçamental dos três primeiros meses deste ano divulgados esta segunda-feira pelo Ministério das Finanças revelam que, durante os primeiros três meses deste ano, o que inclui já algumas semanas desde a chegada da pandemia a Portugal, o saldo nas contas das administrações públicas continuou a ser excedentário. No entanto, o valor positivo não passou dos 81 milhões de euros, uma deterioração muito significativa não só face ao excedente de 762 milhões de euros registados em igual período do ano passado, mas também relativamente ao resultado que tinha sido conseguido nos dois primeiros meses deste ano.

Até Fevereiro, as contas públicas apresentavam aquilo que as Finanças classificaram como “o maior excedente de sempre”, com um saldo positivo de 1274 milhões de euros. Esse recorde, com a pandemia do novo coronavírus a atingir o país em força a partir de meados do mês passado, esfumou-se totalmente em Março. Tendo em conta que, no total dos três meses, o excedente passou a ser apenas de 81 milhões, isso significa que em Março se verificou um défice de 1193 milhões de euros.

IRC recua 30,5% no trimestre

O principal impacto negativo sentiu-se nas receitas fiscais. De acordo com os números divulgados pelas Finanças, a cobrança de impostos durante os primeiros três meses do ano foi 0,5% inferior à registada em igual período do ano passado, quando, até Fevereiro, estava a crescer 1,3%.

O IVA, um dos impostos mais sensíveis ao ritmo da actividade económica, que crescia 3,8% até Fevereiro, apresenta agora uma variação de apenas 0,1%. E o IRC, por causa do adiamento do Pagamento Especial por Conta, apresenta já uma descida no total do primeiro trimestre de 30,5%.

O total da receita das Administrações Públicas ainda registou no primeiro trimestre uma subida, de 1,3%, um valor que revela um forte abrandamento em relação ao crescimento de 3,5% registado até ao final de Fevereiro.

Despesa com SNS sobe 12,6% até Março

Do lado da despesa, também há um antes e um depois do coronavírus. Se, até Fevereiro, a despesa pública crescia 3,8%, agora acelerou para uma variação de 5,3%.

As Finanças destacam, em particular, o que dizem ser o “forte crescimento do investimento público e da despesa do SNS”. A despesa do SNS subiu até Março 12,6% face ao período homólogo, quando até Fevereiro o crescimento era de 7,6%.

No investimento público – referente apenas à Administração Central e excluindo as PPP – as Finanças dizem que mais do que duplicou face ao primeiro trimestre do ano passado (mais 103%). Este indicador já registava até Fevereiro uma variação positiva de 78%.

O Governo diz que a subida do investimento se explica pela passagem à prática do plano de investimentos Ferrovia 2020 (que já era a justificação dada para a subida nos dois primeiros meses do ano) e, agora, pela aquisição de material médico para o combate à covid-19 destinado aos hospitais.

As Finanças destacam ainda, no comunicado enviado aos meios de comunicação social, que se verificou um “reforço das contratações de profissionais afectos ao SNS, o que se traduziu num aumento homólogo de 5,1%, correspondendo a 6596 trabalhadores”. E diz que, em Março, o volume de pagamentos em atraso no SNS se reduziu, face ao ano passado, em 354 milhões de euros.

O impacto negativo da pandemia nas contas públicas é considerado inevitável no decorrer deste ano. O Governo ainda não apresentou novas estimativas para o saldo orçamental em 2020, mas o ministro das Finanças já deixou claro que a meta de um excedente orçamental de 0,2% presente no OE está já totalmente fora de hipótese.

De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a défice português pode, num cenário ainda sujeito a muitos riscos, disparar para 7,1% este ano, com a dívida a regressar a um valor acima de 130% do PIB.

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