E depois do adeus (à covid-19)
Que soluções para os estudantes que terão de abandonar o ensino superior por não terem capacidade financeira para continuar a sua educação? Que respostas para os jovens que não conseguirão emprego e, com isso, emancipar-se ou construir uma família? E para aqueles que vêem os seus sonhos de ter o seu próprio negócio adiado?
O isolamento social trouxe-nos a necessidade a todos, das crianças aos idosos num verdadeiro momentum de união nacional e intergeracional, de reflectir sobre quem somos e o que fazemos aqui. Repensar o papel da família, da escola, da importância dos amigos, da necessidade da cooperação entre todos, da felicidade da calma de não se viver a vida num “ritmo desenfreado” sem se ter tempo para a gozar verdadeiramente. Em coisas que damos por garantidas, como ir jantar com os amigos ou comer um gelado à beira-mar ou sairmos do nosso distrito de residência, ou até a democracia. Mas será que nós, os mais de 50% da população que nunca vivemos numa ditadura ou em qualquer outro regime que não o democrático, compreendemos a sorte que temos?
Podermos ir à rua sem recolheres obrigatórios ou a desculpa de que fomos passear o cão ou comprar comida. Termos a liberdade dizer o que nos apetece, de podermos escrever uns aos outros nas mil plataformas virtuais que hoje usamos para comunicar, com o grau de privacidade que a Google e os hackers permitem. Será que compreendemos a responsabilidade a que essa sorte nos obriga?
Nesta data em que celebramos o nosso direito a ter direitos, os valores e as liberdades que outros antes de nós, jovens, lutaram para conseguir, será que o espírito de Abril de 1974 se mantém vivo entre nós? Será que sabemos ainda honrar o que foi a Revolução de Abril?
Este debate tornou-se “animado” em torno das suas celebrações, existindo quem propusesse a digitalização da celebração da democracia, corporizando-a numa ou outra figura de Estado, mas esquecendo que o que ganhámos com Abril foi um Parlamento democraticamente eleito onde nenhum cidadão representa todos. Houve ainda quem não compreendesse que faltou mais empatia com quem está farto de estar em casa. Com quem está preocupado porque perdeu o emprego ou viu uma redução drástica dos seus rendimentos, com quem tem os pais ou avós nos lares e não os pode visitar, com quem teve de reinventar o seu negócio para sobreviver ou com quem teve de se transformar numa versão de super-mãe/pai-mulher/marido-profissional em esteróides de multitasking, que lhes permitisse teletrabalhar, dar atenção aos filhos retidos em casa, acompanhá-los no seu percurso escolar — tudo isto sem entrar em grandes divergências com o seu cônjuge para não afectar o bem-estar do lar. A mesma responsabilidade e sentido de Estado e união com que nos guiaram durante esta crise se pedem agora a quem nos representa e, quem sabe, um pouco mais de proximidade das realidades daqueles que representam.
Se Abril nos trouxe esta aura de “juntos, conseguiremos vencer” — quer em 1974 com a Revolução, quer agora em Maio — também nos trouxe, menos profeticamente e de forma mais realista, a plena noção de que os próximos tempos não serão fáceis. E não o serão porque continuaremos a ter que aprender a lidar com a covid-19 para a qual ainda não há uma vacina. Mas acima de tudo porque se espera que o nosso PIB decresça mais de 20% no segundo trimestre, porque estamos a comprar com dinheiro que não temos coisas que poderíamos produzir cá dentro e porque os pequenos e médios empresários, a quem já faltava liquidez antes, estão agora paralisados entre o medo de um futuro incerto e as contas por pagar que se acumulam.
É então altura de evocarmos Paulo de Carvalho e a sua canção E depois do adeus, curiosamente lançada no Festival da Canção de 1974, ou o filme de The Day After Tomorrow, de Roland Emmerich. E depois do adeus à covid-19 e da crise sanitária? E depois do apocalipse da nossa economia? Rejeita-se publicamente a austeridade, mas que medidas de incentivo à produção, ao investimento, ao consumo? Que modelo de reposição de rendimentos? Que soluções para os estudantes que terão de abandonar o ensino superior por não terem capacidade financeira para continuar a sua educação? Que respostas para os jovens que não conseguirão emprego e, com isso, emancipar-se ou construir uma família? E para aqueles que vêem os seus sonhos de ter o seu próprio negócio adiado?
Muito se tem escrito e dito sobre a celebração dos direitos e das liberdades adquiridas com a Revolução de Abril. Mas pouco se fala ainda da recuperação económica e social em concreto. Medidas avulsas e discussões pouco consequentes não trazem a confiança necessária para um problema desta dimensão que só tenderá a aumentar. Para que a 25 de Novembro os jovens não estejam a cantar à janela “quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou”, o tempo de agir é agora e urgem-se respostas!