Artes online para praticar a liberdade e a militância
O Espaço Mira, no Porto, assinala o 25 de Abril com trabalhos de 22 artistas nas áreas do vídeo, performance ou fotografia.
Desde a sua inauguração, em 2013, que o Espaço Mira tem dado redobrada atenção ao 25 de Abril. Este ano não será excepção. A galeria portuense, sedeada em Campanhã, transfere as comemorações para o online com uma mostra de artes colectiva. Fora inverno, já era primavera, o verão seria glorioso em liberdade apresenta 17 obras de 22 artistas nos territórios do vídeo, vídeo-performance, fotografia, cinema e música. O programa arranca este sábado às 14h e segue até à meia-noite, com apresentações de meia em meia hora no YouTube, Facebook e site oficiais do Espaço Mira.
Este evento está integrado num ciclo de programação mais extenso, com curadoria de José Maia e João Terras, que começou a 1 de Abril e decorre até 9 de Maio, todas as quartas e sábados às 21h. Por lá já passaram artistas como Ana Deus, João Sousa Cardoso ou Paulo Ansiães Monteiro. O capítulo que assinala o 25 de Abril vai ser mais intenso, procurando dar seguimento à programação politicamente atenta do Mira. “Sempre considerei que o trabalho artístico, quando apresentado à sociedade, tem uma atitude política. É para a pólis, e o Mira sempre trabalhou muito com a comunidade, com quem queremos manter ligações neste período de confinamento”, diz José Maia, director artístico do Espaço Mira e co-responsável por esta mostra.
Os trabalhos apresentados — dez deles em estreia, concebidos propositadamente para este evento — irão percorrer temas como a força do colectivo, a liberdade de expressão, as transformações sociais e culturais no período pós-ditadura, a sexualidade, o racismo e o colonialismo. “O exercício da militância está presente em cada um destes artistas — militância enquanto busca por uma transformação ou um determinado ideal”, refere o curador.
O pontapé de saída é dado por José Almeida Pereira com o vídeo documental Es_col_a, que regista uma manifestação de 2012 contra o então executivo camarário do Porto por causa do despejo, da Escola da Fontinha, de educadores e activistas do movimento Es.Col.A. A “liberdade e a acção política” pontuam também a proposta do fotógrafo e documentarista brasileiro Vinicius Ferreira. Em Redenção, faz uma releitura de fotografias que tirou a protestos no Brasil durante 2013, para reflectir sobre o seu país e, de forma mais generalizada, sobre a relação complexa entre Estado e cidadãos.
Segue-se a vídeo-performance que coloca em perspectiva a sexualidade e a identidade de género, do brasileiro Tales Frey. Em Sissyparity (2020), Frey adorna o seu corpo com acessórios lidos como femininos, questionando a imposição social da cisheteronormatividade e abrindo caminho para a fluidez de género. Depois é a vez de To New Horizons, um vídeo em estreia que, apesar de evocar o passado, tem muito a ver com o presente. O artista plástico Miguel Teodoro opera uma colagem de imagens e vídeos das décadas de 1940 e 1950 sobre cenários apocalípticos e futuristas em que se vê o uso de máscaras e acções como lavar as mãos, “rituais que hoje ganham novas leituras”, aponta José Maia. Outro dos trabalhos apresentados em primeira mão é O Confinado_ The Confined Man_ Der Eingesperrte Mann, de Sérgio Leitão, construído em torno da actual situação de confinamento, da natureza e das geografias urbanas.
Um dos assuntos em foco nesta mostra é a colonização portuguesa, e o modo como as suas narrativas racistas ainda estão entranhadas na sociedade. Trata-se de “um passado que não passou”, como se ouve no vídeo Mediterrâneo (2019), de Melissa Rodrigues e Miguel F., que coloca em diálogo e em confronto imagens da Primeira Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934), da Exposição do Mundo Português (Lisboa, 1940) e do World of Discoveries – Museu Interactivo e Parque Temático, inaugurado em 2014 no Porto (as semelhanças não são pura coincidência).
O “questionar do que é a ditadura, democracia e liberdade” ganha corpo no vídeo-animação de Susana Gaudêncio e no vídeo-poema de Max Fernandes — este último parte da interrogação “quem dá crédito à tua liberdade?”, colocada no livro E Agora, José? (1977), de José Cardoso Pires (1925-1998), um dos mais libertários escritores portugueses que teve a obra Histórias de Amor apreendida pela PIDE.
Na próxima semana, o ciclo de programação do Espaço Mira volta a assinalar outra data especial, o 1.º de Maio, com uma edição ancorada em temáticas ligadas ao trabalho, à precariedade, à ecologia e aos feminismos, e que incluirá performances e concertos em directo. Ainda neste 25 de Abril, o projecto-irmão do Espaço Mira, o MIRA FORUM, junta-se às comemorações com a inauguração de uma exposição virtual do fotógrafo Alfredo Cunha, autor de algumas das imagens mais icónicas da Revolução de 1974 (serão apresentadas aqui várias fotografias inéditas), e com a transmissão do documentário Os Cravos e a Rocha, de Luísa Sequeira.