Demissão de Moro marca fim da era dos “super-ministros” em Brasília
O Presidente disse que o ex-ministro tem “compromisso com o seu ego”. Sem Moro, Governo procura uma nova estratégia para evitar perda de apoio.
Confrontado com a mais grave crise desde que tomou posse, o Presidente Jair Bolsonaro decidiu partir para o ataque contra o seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, poucas horas depois da demissão deste. Mostrou-se “indignado” e “surpreendido” com o comportamento do ex-ministro e garantiu que nunca pretendeu interferir na Polícia Federal (PF).
Ao lado de todos os ministros do Governo, Bolsonaro apareceu na conferência de imprensa que tinha convocado para “restabelecer a verdade” com uma postura desafiante. Começou por dizer que Moro tem “compromisso consigo próprio, com o seu ego, e não com o Brasil”. E acusou-o de ter concordado com a substituição do director-geral da PF, Maurício Valeixo, em troca da nomeação como juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) – algo que, horas antes, Moro tinha dito que nunca fora abordado entre ambos.
Bolsonaro reconheceu que garantiu ao seu ministro autonomia para escolher os detentores dos cargos nas polícias, mas sublinhou que manteve sempre o “poder de veto” em relação a essas escolhas. Apesar de garantir que foi Valeixo quem pediu a demissão, o Presidente foi peremptório: “Eu não tenho de pedir autorização a ninguém para tirar uma pessoa do comando.”
Numa resposta directa às acusações feitas horas antes por Moro, Bolsonaro afirmou que nunca pediu informações sobre o andamento de investigações. No entanto, reconheceu que queria alguém no comando da PF com quem pudesse “interagir”, a exemplo do que faz com as chefias dos serviços de informação e dos ramos militares. “Isso não é quebra da hierarquia”, sustentou.
Militares em vantagem
A demissão de Moro deixa o Governo de Bolsonaro com uma margem de manobra reduzida. A prioridade é evitar a erosão do apoio parlamentar e público.
Privado de um dos pilares que sustentava a sua legitimidade – a promessa de combater a corrupção –, o Governo tentou encontrar uma narrativa para descredibilizar os ataques deixados por Moro.
Mais do que nunca, a ala militar parece ser determinante para que o Governo não se desmorone por completo. “A sensação que dá é que crescentemente os militares estão a tomar conta do Governo”, diz ao PÚBLICO a investigadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Maria Hermínia Tavares. “Com que objectivo, não temos a menor ideia.”
Hoje, os gabinetes do Palácio do Planalto, o coração do poder executivo, são ocupados por generais na reserva e a grande interrogação está no posicionamento dos militares perante a nova realidade. Moro era bem visto pelos generais na reserva que ocupam postos-chave no Palácio do Planalto e a sua saída foi mal recebida. Uma retirada do seu apoio seria fatal para Bolsonaro.
A saída de Moro também parece indiciar um novo rumo para o Governo de Bolsonaro, que ainda não está a metade do mandato. Esta semana foi apresentado um plano económico com medidas para a recuperação no período pós-pandemia, que a imprensa apelidou de “Plano Marshall” por assentar em medidas de investimento público, como a programação de obras públicas, para travar a explosão do desemprego.
No entanto, o plano foi apresentado pelo ministro da Casa Civil, o general Braga Netto, e não pelo titular da pasta da Economia e Finanças, Paulo Guedes, algo que foi interpretado pela generalidade da imprensa como uma vitória da ala militar. Para Guedes, cuja presença no Governo garantiu a Bolsonaro o apoio de grande parte da elite empresarial brasileira, pode ter sido uma espécie de convite para a demissão.
Sem Moro e, provavelmente, sem Guedes, os dois “super-ministros” que tinham carta-branca para realizar reformas profundas, o Governo de Bolsonaro passaria a ser dominado pela ala militar e pelo círculo mais próximo de Bolsonaro, a chamada ala “ideológica”, composta por ministros como o da Educação, Arthur Weintraub, ou dos Negócios Estrangeiros, Ernesto Araújo.
Desta forma, segundo a óptica de Bolsonaro, ficam afastados dois ministros muito populares que corriam o risco de lhe “fazer sombra” junto da opinião pública, observa Maria Hermínia Tavares. Os riscos desta estratégia são enormes, mas, diz a politóloga, “Bolsonaro está sempre a jogar sem pensar muito no futuro”.