Covid-19: Celebrar o 25 de Abril com artes em casa e artes que se vêem na rua
Concertos e filmes para ver em casa, arte projectada nos prédios, performance a percorrer as ruas (e uma homenagem a José Mário Branco). A celebração do 25 de Abril em tempos de pandemia
O 25 de Abril é sinónimo de gente nas ruas, de pessoas enchendo as praças do país, de palcos montados para celebrar a revolução que ofereceu ao país a democracia e a liberdade. Este ano, porém, o que tínhamos por habitual deixou de o ser a partir do momento em que uma pandemia saiu à rua, tirando-nos dela. O 25 de Abril será, portanto, celebrado de forma diferente. O Estado fará a evocação da data em casa, ou seja, no Parlamento. Pelo resto do país, será igualmente em casa que o celebraremos. Juntos em casa a festejar 46 anos de Abril com concertos, poesia e evocando José Mário Branco, com o cinema emanado da data (o de Rui Simões, o de Alberto Seixas Santos) ou com a arte de ±MaisMenos± ou Wasted Rita projectada desde quartos e salas para as paredes das cidades.
José Mário Branco, desaparecido a 19 de Novembro, músico que reflectiu e agiu de forma abnegada e intensa sobre o período revolucionário, será o centro das celebrações do 25 de Abril criadas pelo Musicbox, que recupera a iniciativa Lisboa Capital República Popular com que, desde 2009 e até há dois anos, assinalou a data. Ao longo do dia, no site, Facebook e Instagram do clube lisboeta, as suas canções serão recriadas por Luís Severo, Lavoisier, Fado Bicha, Marinho, Selma Uamusse e Marinho e o seu espírito criativo e a sua acção social mote para prosa, poesia e ilustração criada pelos ilustradores Mantraste e Aline Lemos, pelos Lisbon Poetry Orchestra e pelo projecto Pop’lar, pela poeta Inês Francisco Jacob, pelo jornalista e colaborador do PÚBLICO Gonçalo Frota e pelo radialista e A&R da NorteSul Rui Portulez.
A ideia de partilha e colaboração viva nas ruas, uma aparente impossibilidade em tempos de confinamento, será contornada de forma criativa pela galeria Underdogs, que criou para este 25 de Abril o projecto “Underdogs Projecta”. De forma a torná-lo realidade, convida todos os que tenham em casa um projector a utilizá-lo para ilustrar as paredes das suas redondezas com obras artísticas digitais criadas por artistas a ela associados (os portugueses ±MaisMenos±, Add Fuel, AkaCorleone, Tamara Alves e Wasted Rita e o americano Shepard Fairey). As informações sobre como participar estão disponíveis em www.under-dogs.net.
Música já esta sexta-feira
Quanto à música, começa ainda antes da data oficial, já esta sexta-feira, 24 de Abril. Paulo de Carvalho dará um concerto, acompanhado ao piano, para a Marinha Grande – o espectáculo, transmitido nos formatos digitais do município, começa às 22h35 com a evocação de José Afonso pelos Taramela-Música Raiz Popular. O cantor de E depois do adeus, uma das senhas da revolução, estará também, virtualmente, em Oeiras, dando arranque aos festejos na noite desta sexta-feira – Bárbara Tinoco, Elisabete Matos, Kátia Guerreiro, Mário Laginha e Sérgio Godinho também serão vistos através das redes sociais do município. Já Manuel Freire, também por via digital, apresentará o espectáculo “Abril é…” a Leiria – a noite contempla ainda um filme, Ecos de Abril e uma performance da coreógrafa e bailarina Clara Leão. Em Chaves, a câmara municipal, em parceria com a Associação Indieror, programa para esta sexta-feira, nuns festejos já iniciados a 22, uma emissão de rádio “pirata” em que a interpretação de canções emblemáticas do período por músicos locais são intervaladas com a recriação de momentos marcantes das comunicações radiofónicos de há 46 anos — estes “Sons de Abril” serão emitidos a partir das 22h30 na conta de Youtube da Câmara Municipal de Chaves (para dia 25 de Abril, na mesma plataforma digital, está marcado para as 21h30 um concerto de Noiserv).
Esta sexta-feira será também o dia em que arrancam o Festival Liv(r)e e o Abril no Bairro. O primeiro, resultado de uma parceria entre a plataforma A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria (MPAGDP), o 23 Milhas, projecto cultural do município de Ílhavo, e o colectivo/promotora/editora Camaleão, juntará músicos de origens geográficas diversas. Os concertos de meia hora dos Clã, Galandum Galundaina, João Berhan, Pedro Mestre, Quiné Teles, Tiago Sami Pereira, Tiago Jesus, Edgar Valente, Adélia e João Francisco serão emitidos nos dias 24, 25 e 26, às 21h30, na página de Facebook da MPAGDP (dia 25 haverá também uma edição especial às 17h30). Tendo em conta o actual momento de fragilidade vivido pelo sector musical, a organização disponibiliza um cachet aos músicos, sendo o trabalho técnico da operação garantido em voluntariado – por isso, o público é convidado a contribuir para compor o cachet dos músicos e reunir pagamento para os técnicos.
No mesmo dia em que se inicia o Festival Liv(r)e, também a agência Bairro da Música dá arranque ao Abril no Bairro que montou para assinalar a data. “8 artistas, 8 canções para celebrar a liberdade” é o mote. Esta sexta-feira 24 e sábado 25, entre as 21h30 e as 22h15, Jorge Palma, Zeca Medeiros, Blind Zero, Joana Alegre, Pedro Moutinho, Vicente Palma, The Happy Mess e Rui David interpretarão cada um uma canção preparada para a ocasião – os concertos serão emitidos nas redes sociais dos artistas.
Cinema de Abril chega a casa
Por estes dias, também o cinema nos trará até casa as ruas de Abril. A iniciativa é da produtora Real Ficção, que disponibiliza por “video on demand” uma série de filmes do seu catálogo relacionados com a data. Dia 22 ficou acessível Deus Pátria Autoridade, de Rui Simões, sendo que esta quinta e sexta-feira foram também disponibilizados, do mesmo realizador, Bom Povo Português e Madrugadas. Dia 25, será a vez de O Meu Outro País, de Solveig Nordlund, dia 26 chega A Lei da Terra, criado pela cooperativa Grupo Zero, e dia 27 Brandos Costumes, de Alberto Seixas Santos, realizador que é igualmente autor de Gestos & Fragmentos, que será disponibilizado a 4 de Maio.
Em nota paralela, destaque na programação da RTP para a estreia televisiva, dia 25, às 22h, do celebrado As Armas e o Povo, obra assinada pelo Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica e que acompanha os acontecimentos no país entre 25 de Abril e 1 de Maio de 1974. O realizador brasileiro Glauber Rocha, nome fundamental do movimento Cinema Novo dos anos 1960, é no filme o responsável pelas entrevistas nas ruas repletas de gente a descobrir e a viver um novo país. Algumas dessas mesmas ruas, agora vazias, serão atravessadas neste 25 de Abril de 2020 por Joana Craveiro. A directora artística do Teatro do Vestido será protagonista de uma performance, criada em articulação com o viseense Teatro Viriato, que a levará a percorrer, desde as 8h, as ruas lisboetas da revolução.
Como habitualmente, o dia 25 de Abril terá agenda recheada nos municípios do país. A diferença, claro, reside na transposição de quase todos os festejos para a internet. As excepções vêm, por exemplo, da Covilhã, onde um carro munido de altifalantes levará a poesia alusiva à data às ruas da cidade. E haverá lugar a surpresas, como a que preparam Branko e Dino d’Santiago. Em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa, preparam um concerto que terá emissão em directo nas redes sociais do município e no YouTube de Branko. Sabemos a hora a que acontecerá: 14h30. Quando ao local onde decorrerá, mantém-se em mistério. Será uma surpresa de Abril.