Ministério da Cultura precisa-se (agora ainda mais urgentemente)
Desde a primeira declaração de estado de emergência, sucedem-se, vindas do Palácio da Ajuda, as promessas de atenção a um tecido socioprofissional quase integralmente paralisado. Mas o que até agora saiu do gabinete de Graça Fonseca confirma o padrão errático e voluntarista que tem caracterizado a sua gestão da pasta.
A terrível paragem forçada a que o novo coronavírus submeteu o país não se transformou, no caso particular do Ministério da Cultura (MC), no choque de realidade que faltava para finalmente se vislumbrar um pensamento com princípio, meio e fim num sector que o Governo (pelo menos oficialmente) diz considerar estratégico — ainda que nunca tenha querido consagrar tal statement no altar orçamental onde os compromissos sérios são consumados. Desde a primeira declaração de estado de emergência, sucedem-se, vindas do Palácio da Ajuda, as promessas de atenção a um tecido socioprofissional quase integralmente paralisado, porque esmagadoramente dependente da possibilidade de fruição pública, colectiva, do seu trabalho. Mas o que até agora saiu do gabinete de Graça Fonseca confirma o padrão errático e voluntarista que tem caracterizado a sua gestão da pasta — juntamente com a convicção pessoal e política da actual ministra de que uma parte do papel do Estado na área da Cultura pode ser delegada nas empresas e na sociedade civil.
A primeira medida a ser tornada pública, uma Linha de Apoio às Artes de um milhão de euros destinada a socorrer artistas e estruturas não abrangidos por outros financiamentos, é até ao momento talvez a única proposta consistente que o MC conseguiu produzir, apesar da discutível dotação que lhe foi atribuída (um problema crónico no Palácio da Ajuda que este cenário de crise não tinha como não agravar). Para ser um verdadeiro fundo de emergência, porém, os apoios anunciados a 23 de Março já deveriam estar a chegar ao terreno — em menos tempo, a Fundação Calouste Gulbenkian distribuiu mais dinheiro. Entretanto, Graça Fonseca apadrinhou institucionalmente uma plataforma de encontro entre artistas e financiadores, o Portugal #Entra em Cena, cujos resultados tem sido impossível escrutinar (e que, tratando-se de um “marketplace”, como lhe chamou o MC, tenderá sempre a privilegiar projectos comerciais); e teve ainda a peregrina ideia de criar um festival, o TV Fest, cujo orçamento teria sido discricionariamente distribuído entre os músicos convidados se uma petição não tivesse obrigado a ministra a suspendê-lo antes mesmo de se estrear. O que será feito com o dinheiro que lhe estava destinado é, literalmente, pergunta para um milhão de euros.
Esta semana chegaram finalmente as muito aguardadas (e muito adiadas) medidas de emergência para o sector do livro e da edição — 400 mil euros para um mercado que estima as suas perdas em 30 milhões. A mesma sequência de acontecimentos: suspense, anúncio, coro de protestos (não por acaso, as cartas abertas e os manifestos em defesa de uma intervenção de emergência na área da Cultura vêm-se amontoando nos jornais e nas redes sociais). São “esmolas”, classificou o director da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros. E são mesmo. Sobretudo em sectores tão duramente caracterizados pela precariedade e pela intermitência quanto alguns dos que Graça Fonseca tutela, como o cinema e as artes do palco.
Seria preciso ter dinheiro para estruturar de vez um tecido que em países mais avançados nesta área, como a França, já conquistou uma protecção social adequada — e talvez não haja esse dinheiro. Mas seria sobretudo necessário ter uma política cultural consequente. À sua chegada ao Palácio da Ajuda, Graça Fonseca não mostrou ter uma visão estratégica para a Cultura, apenas um muito bem-vindo pragmatismo e um conhecimento aprofundado da máquina da administração do Estado. Dois anos e meio e um momento “agora ou nunca” pelo meio não foram pelos vistos suficientes para que a adquirisse.