O lado B
Esta é a primeira conversa da nossa quarta memória, dedicada à emancipação.
Um dia, quando estava mais ou menos a começar a escrever este livro, decidi ir a uma igreja assistir a uma missa. Bem, isto é mentira — não era uma igreja e não era uma missa —, mas é maneira mais aproximada que eu tenho de vos explicar. Além disso, eu sou ateu. Mas se fosse religioso acho que estava sempre lá caído para as missas e não só. Se eu não fosse ateu gostaria de ser devoto, do judaísmo ao candomblé. Como não sou religioso, gosto de ser ateu, e gosto de gostar de religiões.
Bem, a tal igreja que não era igreja nenhuma chama-se A Sociedade dos Amigos. Ou, se vocês forem à despensa e pegarem num pacote de cereais, são capazes de encontrar uns cereais Quaker. Pois bem, os Quakers são uma seita religiosa que existe desde o século XVII e que nasceu no ambiente de anti-conformismo após a reforma protestante em Inglaterra, e depois se disseminou pelas colónias britânicas da Nova Inglaterra, no actual nordeste dos EUA. Como os Quakers se recusam a chamar a si mesmos uma igreja, são a Sociedade dos Amigos. Quanto aos que noutros casos se chamariam de “os fiéis da Igreja”, esse termo aqui não se aplica. Na Sociedade dos Amigos só há, nem crentes, nem devotos, nem membros, nem ovelhas, nem paroquianos, mas só amigos.
Por outro lado, quando os amigos se encontram numa casa — também não se lhe deve chamar templo, até porque não o é, mas uma simples casa — Quaker, o que se passa também não é uma missa, um culto, ou qualquer cerimónia religiosa. O que se passa é apenas, na linguagem oficial dos Quakers, um encontro. É como se houvesse um esforço consciente por retirar toda a linguagem grandiloquente do sagrado e infundir a prática religiosa da naturalidade do quotidiano.
Esta é a primeira conversa da nossa quarta memória, dedicada à emancipação.
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