Covid-19: Turquia é o terceiro foco da pandemia e Erdogan decreta recolher obrigatório por quatro dias
O Presidente turco tem resistido a decretar o confinamento total e os números não param de subir: há mais de 90 mil infectados e duas mil mortes. Acabou por ceder parcialmente e os turcos vão ficar em casa até quinta-feira, quando milhares de turcos se deslocam para se encontrar com as suas famílias.
O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tem-se recusado a decretar medidas drásticas de isolamento e o número de infecções não têm parado de aumentar na Turquia, que se tornou no terceiro foco da pandemia de covid-19 no mundo, só atrás da União Europeia e dos Estados Unidos, ao ter mais de 90 mil casos e dois mil óbitos. Mas Erdogan viu-se obrigado a ceder parcialmente e decretou na segunda-feira o recolher obrigatório, por quatro dias, em 31 cidades.
O primeiro caso da doença no país foi detectado em Março e as infecções têm crescido substancialmente de dia para dia, totalizando esta terça-feira 90.980 e 2140 mortes, de acordo com as autoridades de saúde turcas. A Turquia tornou-se o país do Médio Oriente com mais casos registados, ultrapassando o Irão (quase 85 mil), e os números de óbitos podem ser quase o dobro dos apresentados pelas autoridades, diz o New York Times.
Istambul, o epicentro da pandemia no país, registou entre 9 de Março e 12 de Abril mais 2100 mortes não relacionadas com a covid-19, em comparação com os dois anos anteriores, diz o diário americano. Nem todas as mortes estarão relacionadas com a doença, mas o aumento coincide com o início do surto no país, garante. As estatísticas incompletas, por falta de testes, têm sido um problema transversal a vários governos.
Suspeitando-se que o vírus já se estaria a propagar semanas antes de o primeiro caso ser conhecido, a verdade é que as tardias e parcas medidas do Governo não têm sido capazes de travar o aumento das infecções. Uma situação que obrigou Erdogan a decretar o que vinha recusando: o confinamento total, ainda que apenas por quatro dias, até quinta-feira desta semana. A medida tem como objectivo impedir a propagação do coronavírus, quando milhares de turcos se deslocam para se reunirem com as suas famílias a tempo do Ramadão, que começa esta quinta-feira e termina a 23 de Maio.
As autoridades têm, no entanto, garantido ter a situação sob controlo e o ministro da Saúde, Fahrettin Koca, assegurou que os serviços de saúde públicos estão a dar resposta aos pacientes - na sexta-feira, apenas 60% das camas de cuidados intensivos estavam ocupadas. Para mostrar que assim é, Koca, que espera que o pico seja atingido nos próximos dias, inaugurou um mega hospital em Istambul dedicado a pacientes de covid-19, e que o país vai ter capacidade de produzir até cinco mil ventiladores até ao final de Maio.
A Turquia tem estado envolvida em polémicas por causa da escassez de material médico. O Reino Unido acusou-a este fim-de-semana de impedir que aviões britânicos, com 84 toneladas de batas, máscaras e luvas a bordo, descolassem do seu território. Sem outra alternativa, o Governo britânico acabou por enviar um avião da sua força aérea para as transportar, diz o Guardian.
A esta acusação junta-se uma outra, desta vez feita no início de Abril por Espanha. Madrid viu um carregamento de ventiladores, proveniente da China e que fez escala na Turquia, bloqueado, diz o jornal espanhol El Mundo. A diplomacia espanhola pressionou para que o avião levantasse voo e Ancara respondeu-lhe que o material “confiscado” era necessário para os seus próprios pacientes. A Turquia negou tê-lo feito e revelou ter enviado material médico, inclusive 116 ventiladores.
O Governo turco tem sido acusado de desvalorizar os riscos da pandemia e de nada ou pouco ter feito para evitar que o vírus se propagasse pelo país. “Não fez nada em Fevereiro, apesar de se saber que a doença já cá estava”, disse ao New York Times Sinan Adiyaman, presidente da Associação Médica da Turquia.
Erdogan resistiu a decretar o confinamento total e avançou com algumas medidas que evitassem a propagação, sem prejudicarem substancialmente a economia – quem tem mais de 65 anos foi obrigado a confinar-se, o uso de máscaras tornou-se obrigatório e as fronteiras de 31 cidades foram fechadas. Mas os números continuaram a crescer e, a 10 de Abril, o chefe de Estado lá cedeu uma primeira vez: decretou o recolher obrigatório aos fins-de-semana.
O anúncio foi feito duas horas antes de a medida entrar em vigor e apanhou de surpresa os presidentes de Câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, e de Ancara, controladas pelo Partido Republicano do Povo (CHP), da oposição, com os quais Erdogan se tem recusado a gerir a crise – proibiu o recolher de fundos por Istambul e depois avançou com um do Governo. Os autarcas queriam avançar com medidas mais duras de isolamento social, mas o chefe de Estado recusou-as, entrando mesmo em choque directo.
Ao recuar de surpresa, os efeitos foram os contrários aos esperados. Ao saberem do confinamento e esperando que fosse prolongado, milhares de turcos acorreram aos supermercados, criando grandes ajuntamentos e promovendo o contágio – o ministro do Interior, Suleyman Soylu, apresentou a demissão e Erdogan recusou-a.
É que, apanhados desprevenidos, os presidentes de câmara não conseguiram tranquilizar os seus habitantes de que o abastecimento de bens estava garantido, aumentando ainda mais o medo dos turcos e prejudicando a oposição em termos eleitorais. “O AKP [partido de Erdogan] está, portanto, a tentar limitar a capacidade dos presidentes do CHP para manterem os serviços locais e distribuírem a ajuda social necessária, particularmente às pessoas que perderam os seus empregos por causa do coronavírus”, escreveu na Foreign Policy Tessa Fox, sediada em Istambul.
Nas últimas eleições municipais, em 2019, a oposição derrotou o partido de Erdogan em Istambul e Ancara e as vitórias foram encaradas como uma nova fase no combate ao Presidente. Erdogan pode estar, através da pandemia, a tentar fragilizar o poder local. E o principal alvo é Ekrem Imamoglu, em Istambul, um dos grandes rostos da oposição no país que Erdogan não quer que capitalize politicamente com a crise de saúde.
“Se Imamoglu sair da crise incólume, com mais popularidade, vai ter grandes possibilidades no futuro”, disse à Foreign Policy Berk Esen, professor de Relações Internacionais na Universidade de Bilkent, em Ancara.