Londres e Bruxelas retomam negociações pós-“Brexit” com as expectativas em baixo

Crise sanitária e divergências de fundo dificultam acordo sobre futura parceria económica e política entre Reino Unido e UE. Apesar dos muitos apelos, Governo britânico rejeita prolongar período de transição para além de Dezembro.

Michel Barnier, negociador-chefe da UE
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Michel Barnier, negociador-chefe da UE Reuters/ VINCENT KESSLER
Barnier e Frost, dirigentes das respectivas equipas negociais, terão de negociar por videoconferência
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Barnier e Frost, dirigentes das respectivas equipas negociais, terão de negociar por videoconferência Reuters/POOL

Mais de um mês depois da primeira ronda de negociações entre Reino Unido e União Europeia, tendo em vista o estabelecimento de um acordo para a sua parceria económica e política futura, o “Brexit” regressa esta segunda-feira à agenda dos responsáveis britânicos e europeus, ainda que sem grandes expectativas de se obterem avanços significativos ao longo da semana.

Michel Barnier, negociador-chefe da UE, e David Frost, representante do Governo de Boris Johnson, retomam, por videoconferência, um processo negocial que teve de ser suspenso devido à emergência sanitária do novo coronavírus e que, à luz das conclusões da primeira ronda, permanece bloqueado por divergências “profundas” e “sérias” entre os dois blocos.

Os próprios negociadores principais estiveram em quarentena, depois de terem sido infectados, pelo que os contactos entre as respectivas equipas, nas últimas semanas, tiveram apenas como objecto questões técnicas. Os dois lados estiveram a avaliar um conjunto de rascunhos de textos jurídicos sobre alguns dos capítulos em que foram divididas as negociações.

“Sejamos honestos: as lideranças políticas estão focadas noutra coisa. Quando a própria casa está a arder, essa é a primeira e única prioridade de toda a gente”, disse ao Politico um diplomata europeu.

No que diz respeito ao futuro acordo comercial, Downing Street continua a defender a divergência dos britânicos das regras europeias em matéria fiscal, laboral, ambiental ou de ajudas de Estado, desafiando a exigência da UE de uma situação de “level playing field [igualdade de circunstâncias]” no acesso aos respectivos mercados.

Para Bruxelas essa posição desrespeita os termos acordados na declaração política anexa ao acordo de saída do Reino Unido do clube europeu, e segundo diz Barnier, abre caminho à concorrência desleal e distorções no mercado.

Para além disso, os britânicos recusam incluir o apetecível dossier das pescas no acordo comercial, frustrando outra exigência da UE, também acordada na declaração política conjunta. Aliás, Bruxelas ainda espera por um rascunho técnico relativo às pescas, que Londres teima em não enviar.

“Os especialistas podem olhar para os textos e fazer clarificações, mas o processo está todo num nível muito técnico. A determinada altura terão de ser feitas escolhas políticas”, declarou o responsável europeu ao Politico.

Pedidos de adiamento

Ainda assim, Barnier e Frost garantem estar em sintonia quanto ao objectivo de alcançarem um compromisso até ao final do período de transição, ou seja, 31 de Dezembro deste ano, e agendaram mais duas semanas de negociações para além da que se inicia esta segunda-feira: uma a começar a 11 de Maio e a outra a 1 de Junho.

Até ao final do ano, o Reino Unido continua a beneficiar de todas as vantagens do mercado único e da união aduaneira, e a ter de respeitar todas as obrigações dos Estados-membros nessas áreas, apesar de já estar fora da UE e de não ter representação nas instituições europeias desde o dia 31 de Janeiro.

Nas últimas semanas, porém, por causa da prioridade do combate à covid-19, mas também do impacto das medidas de contenção nas economias dos países, têm crescido os apelos para que Boris Johnson alargue o prazo do período de transição. O primeiro-ministro britânico tem 70 dias para decidir se solicita ou não esse prolongamento, por um ano ou até dois, mantendo o Reino Unido no mercado único.

Isto para evitar um cenário de no-deal no final de 2020, em plena crise financeira europeia e mundial, como se prevê, e numa altura em que o Reino Unido se poderá encontrar numa situação de necessidade de fluidez na aquisição e venda de medicamentos e outros bens de saúde. Sem acordo, às trocas comerciais entre britânicos e europeus aplicar-se-ão as quotas e tarifas definidas pela Organização Mundial de Comércio.

Para além dos pedidos internos, vindos de vozes relevantes dentro do Partido Trabalhista, dos Liberais-Democratas e do Partido Nacional Escocês, também o Partido Popular Europeu – a maior família política do Parlamento Europeu – defende a extensão do período de transição.

FMI lança alerta

A última a juntar-se aos apelos foi a directora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva. Questionada sobre a possibilidade de um não-acordo entre Londres e Bruxelas sem tentarem, sequer, alargar o período de transição, Georgieva alertou para a urgência em não se contribuir para o agravamento da actual “incerteza sem precedentes” que, assume, resultará numa “recessão global nunca vista na nossa geração”.

“[A realidade] já é dura, tal como as coisas estão. Não a tornemos ainda mais dura. O meu conselho é que se procurem caminhos para que o elemento de incerteza seja reduzido, de acordo com os interesses de toda a gente: do Reino Unido, da UE e do mundo inteiro”, disse a directora do FMI, em entrevista à BBC.

Qualquer decisão no sentido do adiamento do prazo de Dezembro terá de ser acordada, por ambas as partes, até ao dia 1 de Julho, e obrigaria a um novo compromisso sobre as contribuições financeiras do Reino Unido para o orçamento da UE.

Mas o Governo de Johnson rejeita, absolutamente, essa possibilidade, já que acredita que atrasar a retirada do país da malha legislativa e regulamentar europeia dificultará a capacidade de resposta britânica e a implementação do seu próprio plano de acção para lidar com os efeitos sociais e económicos do coronavírus.

A verdade é que no documento que define as suas prioridades de actuação nas negociações técnicas com os 27, Downing Street ameaça abandoná-las em Junho, se entender que não foram feitos progressos suficientes entre os dois blocos até lá. E apesar da suspensão dos trabalhos, as datas são para manter, assegura o Governo.

“Estou confiante de que o trabalho possa continuar e espero que possamos chegar a uma conclusão satisfatória”, afirmou o ministro das Finanças britânico, Rishi Sunak, no início da semana. “Mas mantemo-nos comprometidos com a cronologia que apresentámos”.

Com Rita Siza, Bruxelas

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